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Maus tratos e violência na infância: Os dois casos de Campinas

A conduta destrutiva dos pais aparece então em um amplo espectro que varia desde a rejeição ou violências que podem levar a morte da criança.
Violência e Maus tratos na infância Os dois casos de Campinas

No dia 30 de janeiro desse ano, a polícia de Campinas, interior de SP, resgatou um menino de 11 anos que passou um mês acorrentado e trancado dentro de um barril e sofreu maus tratos.

O menino estava nu, dentro de um tambor de metal, tinha pés, cintura e mãos acorrentados, e o tambor estava coberto por uma pia pesada, do lado de fora da casa, com um calor de mais de 30ºC, com sinais de desidratação e desnutrição.

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O menino contou à polícia que se alimentava das próprias fezes, configurando maus tratos. Segundo informações dos vizinhos, a criança estava lá há um mês, quem o colocou lá foi o pai, sob alegação de que o menino era “agressivo e desobediente, fugia de casa”.

A criança morava com o pai, a namorada e a filha dela adolescente. O que chama a atenção nesse caso são os excessos cometidos pelo pai:

Mantê-lo preso em um barril com um objeto pesado em cima da tampa, sem alimentação ou água, sem possibilidade de higienização (banho, necessidades fisiológicas), debaixo de um calor insuportável (se estava a 30ºC, imagine-se a sensação térmica lá dentro!), sob alegação de que “era agressivo, agitado, fugia de casa” (sic).

Qual a medida aplicável aos responsáveis por maus tratos?

Entendo que tais comportamentos, se existiam, eram reações às diversas outras violências, exclusões, rejeições que ele sofreria dentro de casa. Nesse sentido, cabe severa punição a todos os responsáveis diretos ou indiretos, pelos maus-tratos, negligência.

O ECA no Art. 130 estabelece a medida aplicável aos pais ou responsáveis no caso de vitimização, em qualquer de suas formas:
“Verificada a hipótese de maus tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.”

Estatuto da Criança e do Adolescente & maus tratos

Geralmente a vitimização chega por meio de denúncia formulada pelo hospital que atendeu a vítima, ou pela escola, ou por familiares e/ou vizinhos, ou ainda pela própria vítima.

Porém, é importante que se considere o ato dentro do contexto histórico daquela família, inclusive considerando-se se houve casos de agressão nas famílias de origem dos pais, semelhantes àquele ato “isolado”, para ser ou não caracterizado como “maus-tratos”.

A observação da interação pais-filhos na ocorrência do evento traumático, e a coleta de dados nas entrevistas são essenciais para a conclusão se houve ou não maus-tratos.

Pais abusivos & atitudes destrutivas

Os maus-tratos são ferimentos causados na criança ou adolescente, como fraturas, hematomas, queimaduras ou traumatismos, decorrentes de castigos extremos e excessivamente violentos, e impróprios para a idade da criança.

Com efeito, os castigos corporais, os maus-tratos psicológicos, o abandono, a negligência ou a mutilação (lesões corporais) são encontrados em todas as partes do mundo.

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A conduta destrutiva dos pais aparece então em um amplo espectro que varia desde a rejeição ou desconsideração, até atitudes diretas que atingem até a morte da criança.

Nesse sentido, faz-se realmente necessária à destituição do poder familiar de pais realmente agressores, e a colocação da criança na companhia de parentes ou em famílias substitutas, como medida de proteção.

Mas, mesmo após a decretação da extinção do poder familiar, ainda seria importante o acompanhamento psicológico das vítimas (criança/adolescente) e o monitoramento das visitas, conferindo-se um caráter terapêutico para a restauração dos vínculos afetivos (evitar e elaborar o “vazio existencial” das vítimas).

Na vitimização física e psicológica, o(a) agressor(a) apresenta grande comprometimento psicológico: em estudo de caso, aparece a repetição da agressão intergeracional, em que o filho não é percebido como pessoa, mas como objeto a ser manipulado, de acordo com as necessidades.

Não nega a agressão, mas alega que não é tão violenta assim, e que tem o objetivo de educar e impor limites. Procura atribuir à vítima a culpa por seus atos, argumentando que é ela quem provoca os maus-tratos com seu comportamento.

Denúncias de maus tratos & Descasos

O ‘pseudo’-acompanhamento do Conselho Tutelar: Segundo a notícia do G1, “O conselho tutelar admitiu que já acompanhava denúncias de maus tratos à criança há pelo menos um ano e vai apurar se houve falha.”

Ora, obviamente que houve uma falha! Uma não, várias! Segundo informações, já acompanhavam o caso há um ano. E o que fizeram? Nada! Alguém pensou que isso iria acontecer?

Se estivéssemos lidando com conselheiros tutelarem minimamente competentes, responsáveis, proativos, haveria uma estimativa, essa família já teria recebido o devido acompanhamento e encaminhamentos para programas de orientação e suporte familiar, e se houvesse a percepção de violência, as providências seriam tomadas.

Mas lamentavelmente não conheço conselheiros tutelares com o mínimo de preparo, responsabilidade, zelo na sua função. São voluntários, não recebem nenhuma remuneração, então não se dedicam.

Falta iniciativa em pesquisas e compromisso com a infância

As prefeituras não investem em qualificação, aparelhamento, recursos físicos e financeiros para que os conselheiros possam atuar. As poucas experiências que tive com conselheiros tutelares foram de uma ineficácia e incompetência totais!

Não estudam, não pesquisam, não se dedicam. Limitam-se a ouvir e fazer relatórios precários. No caso em comento, deveriam ser igualmente presos, por crime de responsabilidade. Isso, sem prejuízo de sanções administrativas e cíveis (indenização por danos morais à criança).

Em 06/02/2021, outro episódio envolvendo maus-tratos e violência contra criança ocorreu em SP. A Polícia militar resgatou uma criança de 2 anos de idade, que estava amarrada sozinha em casa, na zona leste de SP, através de uma denúncia anônima de alguém que ouvia a criança chorar muito.

Além de estar amarrada pelos pés por um fio, a criança apresentava queimaduras de cigarro. A mãe foi localizada mais tarde pelos policiais. Ela tem 21 anos e foi presa em flagrante por maus-tratos contra a criança.

Vizinhos informaram que a menina morava com a mãe e um homem, mas não souberam informar se ele é o pai ou namorado da mãe. O conselho tutelar também foi acionado para cuidar da menina.

Aqui, neste caso, me pergunto se o conselho tutelar ‘já sabia’ e não fez nada, como no caso de Campinas, ou se só ‘descobriu’ o caso agora, mesmo ciente de que é uma região onde moram pessoas com alto grau de vulnerabilidade…

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No que tange à violência doméstica, há que se considerar que a mentalidade vigente, ainda hoje, é a de que os pais possuem um poder “quase” irrestrito para exercer a autoridade sob quaisquer meios, mesmo que à margem das limitações legais.

Mas essa postura é equivocada, e conduz exatamente à destituição do poder familiar de ambos os genitores agressores.

Destituição familiar poderia ser aplicada?

Além da garantia da devida punição sãos agentes da violência doméstica contra crianças – incluindo-se aqui os conselheiros tutelares ineptos e negligentes -, quando a incidência da vitimização (física, psicológica, sexual) ocorre muito precocemente na vida da criança (até o terceiro ano de vida), todo o desenvolvimento do Eu fica abalado.

Isso pode permanecer desestruturado, sem se integrar totalmente, ou apresentar traços que se aproximam do quadro de sintomas das psicoses, pois ocorre uma ruptura na vivência do corpo: a visão do corpo é fragmentada, o corpo torna-se vulnerável aos ataques externos e às vazões para fora, os movimentos são dificultados até se tornarem impossíveis.

Quando a vitimização ocorre após a estruturação do Eu (após o terceiro ano de vida), as consequências assumem características próprias dos quadros traumáticos (Distúrbio de Estresse Pós-Traumático), sintomas físicos, psicológicos e sociais:

  • problemas alimentares graves (anorexia, obesidade),
  • distúrbios do sono,
  • sequelas e traumatismos físicos,
  • doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada
  • dificuldades de concentração,
  • problemas de atenção,
  • motivação e depressão,
  • ansiedade,
  • tentativas de suicídio,
  • desadaptação escolar,
  • transgressões,
  • fugas de casa,
  • delinquência.

Como o psicólogo pode ajudar?

O psicólogo deverá avaliar os motivos e fatores da estrutura de personalidade dos pais que ocasionaram a destituição do poder familiar, seja por maus-tratos à criança, abuso sexual, negligência de cuidados básicos, sugerindo qual(is) a(s) medida(s) cabível(is) aplicada(s) aos pais.

Segundo ROVINSKI (2013), o psicólogo não deve esquecer que o foco a ser investigado é competência parental quanto à relação com a criança e nunca uma característica pessoal individual (patologia psíquica).

Isso porque o déficit nas funções parentais pode ser decorrente de vários fatores alheios à característica individual, mas que, de uma forma ou outra, terão repercussões diferenciadas na definição da perda do poder familiar.

Então o psicólogo deve observar as relações causais da conduta que poderiam causar a incompetência parental, de forma a compreender seu significado.

Tal profissional deve ter em mente que avaliar o “melhor interesse para a criança” não é só considerar o momento traumático atual que a criança está vivenciando na companhia desses pais, mas também fazer previsões acerca do efeito da extinção do poder familiar na vida futura dessa criança, quando a relação dela com esses pais já estará irreversivelmente prejudicada (ROVINSKI, 2013, p. 139, cit.).

Mais tarde, deverá observar a convivência da criança no novo ambiente familiar ou no local onde a criança se encontra, a fim de determinar o grau de influência de possíveis sequelas das relações parentais no desenvolvimento de sua personalidade, bem como sugerir medidas para que a criança se desenvolva plenamente.

Referência Bibliográficas

GABIRA, G. PM resgata criança de dois anos amarrada em casa, após denúncia anônima na Zona Leste de SP. Portal G1., 06/02/2021. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/02/06/pm-resgata-crianca-amarrada-em-casa-apos-denuncia-anonima-na-zona-leste-de-sp.ghtml.

REDAÇÃO G1. Menino de 11 anos é resgatado após passar um mês acorrentado pelo pai e preso em barril. Portal G1., 31/01/2021. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/01/31/menino-de-11-anos-e-resgatado-apos-passar-um-mes-acorrentado-pelo-pai-e-preso-em-barril.ghtml.

ROVINSKI, S.L.R. Fundamentos da Perícia Psicológica Forense. 3. ed. São Paulo: Vetor, 2013.

Excertos extraídos de: SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. Curitiba: Juruá, vols. 01 e 02 (a ser publicada a 5ª. edição 2021).

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Sobre o autor(a)

Picture of Denise M. Perissini

Denise M. Perissini

Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora da Pós Graduação em Psicologia Jurídica na UNISA e professora na UNISÃOPAULO. Autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica de Família.
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