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Um labirinto chamado “vida”

O processo de maturidade não segue uma linha reta
Um labirinto chamado vida

Uma paciente chegou no consultório relatando as dificuldades que estava enfrentando em um relacionamento com uma pessoa consideravelmente mais velha.

Disse, surpresa, que não esperava que seus vinte e poucos anos lhe dessem mais maturidade para lidar com algumas situações do que uma pessoa que já passara dos trinta.

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Curiosamente, recebo muitos relatos parecidos de outros pacientes e das pessoas de um modo geral.

Percebo um padrão de pensamento que relaciona o nível de maturidade a quantidade de aniversários celebrados.

Isso, veremos, nem sempre corresponde a realidade.

Não estamos passando de fase

Não sei se é por conta do sistema escolar que gradualmente aumenta a dificuldade das matérias a medida que passamos de ano, ou pelas horas que gastamos jogando videogame evoluindo das fases mais simples para as mais complexas.

O fato é que muitas vezes enxergamos nossa vida por etapas. Devemos concluir o Ensino Médio, ingressar na faculdade, trabalhar por anos e nos aposentar.

Ao mesmo tempo, devemos conhecer alguém, nos casar, ter filhos e netos.

Em todos esses ciclos, construímos uma certa hierarquia de dificuldades e, a medida que avançamos, entendemos que adentramos em uma etapa mais complexa e consequentemente nos tornamos mais maduros.

De fato, algumas situações que nos são apresentados exigem algum repertório para serem resolvidas.

O tempo, sem dúvidas, nos permite acumular experiências que podem ser úteis para lidar com diversas questões, mas nem sempre elas serão suficientes.

Por vezes, nos deparamos com conflitos que não sabemos como lidar e observamos uma pessoa mais jovem que ironicamente parece ter mais habilidade para manejar uma situação parecida.

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No consultório, por exemplo, já atendi adultos jovens que aparentavam lidar melhor com fins de relacionamentos ou mortes de pessoas próximas do que meus pacientes de meia idade.

A bagagem de vivências que acumulamos ao longo dos anos pode nos ajudar a ter uma maior compreensão dos infortúnios da vida, mas nem sempre é o que acontece.

Experiências vividas x idade

Desde a mais tenra idade, sempre ouvi dizer que a maturidade viria com o tempo.

Logo, conforme os anos fossem passando, viriam também o equilíbrio e a sabedoria. Por muito tempo, acreditei nisso.

Como disse anteriormente, acredito que algumas experiências que vivenciamos nos possibilitam um crescimento pessoal.

Contudo, creio que aí está o pulo do gato.

Nem todos passam pelas mesmas experiências, por isso acho que não podemos medir a maturidade de uma pessoa utilizando apenas a métrica da quantidade de aniversários comemorados.

Para ficar um pouco mais escuro, preste atenção nos relatos a seguir:

Tive uma curta vivência profissional em um SAICA localizado em um bairro periférico de São Paulo.

Embora todos que ali residiam fossem menores de idade, tinham experiências de vida bem marcantes.

Chegaram ao abrigo por inúmeros motivos. Alguns tinham sofrido abuso físico/psicológico de seus representantes legais, outros nem pais tinham.

Além disso, serviam de bode-expiatório para os moradores do bairro, que culpavam eles por todos os roubos e tumultos que lá aconteciam.

Esses moradores chegaram, inclusive, a fazer um abaixo assinado para que o serviço fosse transferido para outro local.

Com todos esses acontecimentos, ainda que eles fossem muito jovens, eu não era capaz de enxergá-los como imaturos, devido a intensidade de todos os eventos que foram obrigados a vivenciar em tão pouco tempo de vida.

Uma pessoa mais velha, que não tivesse passado pelas mesmas situações, poderia ser considerada mais madura que eles pelo simples fato de ter “mais idade”? Acho difícil responder.

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Um outro exemplo se deu em minha prática clínica.

Uma paciente falou que eu era corajoso por ter trinta e um anos e já ter deixado a casa de minha mãe, o que ela, com cinquenta anos, ainda não tinha feito.

Refleti sobre isso e falei com a minha terapeuta. Disse que não me via como corajoso por ter saído de casa aos vinte e nove anos.

Ao contrário, me sentia até um pouco atrasado, já que muitos amigos meus deixaram a casa dos pais aos dezoito, vinte ou vinte e cinco anos.

Ela me fez pensar exatamente sobre como temos tempos diferentes, e que o fato de ser mais velho não necessariamente indica uma maior habilidade para lidar com algumas situações.

Por outro lado, nem sempre essas experiências adultas precoces aceleram o processo de maturidade.

Talvez um dos casos mais discutidos sobre esse assunto seja o de Michael Jackson.

Com apenas onze anos, já era um estrela da soul music, no fim dos anos 60’s.

Aparentemente, não teve tempo para vivenciar sua infância, pois já era adulto antes mesmo de completar a maioridade.

Anos depois, adquiriu um rancho que batizou de Neverland, uma referência a história de Peter Pan, que falava sobre um menino que não queria crescer.

Se esse fato pode indicar alguma imaturidade do cantor, não é possível afirmar.

Mas, é curioso pensar que uma pessoa que tinha a rotina de um adulto quando criança adquire um rancho aos trinta anos e o batiza com um nome que faz referência a uma história infantil de um menino que não queria ser adulto.

A maturidade anda por linhas tortas.

Um labirinto chamado “vida”

Eu sei, pode parecer um pouco desesperador pensar que não estamos num processo linear de maturidade, mas acredito que compreender nossa evolução como um labirinto é muito mais libertador.

Não precisamos nos imaginar em uma linha reta e nos cobrarmos um comportamento padrão quando temos inúmeras possibilidades nos arredores.

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Pensar em linha reta nos coloca em uma corrida. Logo, se largamos antes, devemos estar a frente dos que vieram depois.

Um labirinto nos permite compreender que aquela pessoa, que chegou depois de nós, pode ter feito um outro caminho e, em alguns momentos, pode estar a nossa frente, e não há problema algum nisso.

O fato de ter mais idade não é garantia de mais sabedoria. A maturidade nem sempre é linear.

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Sobre o autor(a)

Rodrigo Xavier Franc

Rodrigo Xavier Franc

Graduado em Psicologia, ampla vivência com pessoas em situação de rua e dependentes químicos. Atualmente realizo atendimento clínico nos bairros de Santana e Higienópolis.
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