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Muitas mulheres vivem por anos com uma sensação constante de não se reconhecerem. Sentem que há algo diferente, mas não sabem dar nome. Um dia ou meses estão produtivas, animadas, sociáveis; em outros, não conseguem sair da cama, evitam contato com amigos, sentem culpa e vazio.

O mundo ao redor parece não acompanhar esse ritmo interno descompassado. Comentários como “você é intensa demais” ou “vive entre extremos” acabam sendo naturalizados por quem está por perto. Mas e se essa oscilação emocional não for apenas uma característica de personalidade? E se ela for, na verdade, o retrato silencioso de um transtorno bipolar não diagnosticado?

Entendendo o transtorno bipolar e seus sinais

O transtorno bipolar é uma condição de saúde mental marcada por alterações significativas no humor, energia e comportamento. Essas alterações não são simples variações emocionais do dia a dia. São episódios intensos e cíclicos que alternam períodos de depressão profunda com fases de elevação do humor — a hipomania ou a mania.

E entre um polo e outro, há impactos reais na vida da pessoa: nas relações, no trabalho, na autoestima e na saúde física.

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Nas mulheres, o diagnóstico do transtorno bipolar pode ser ainda mais desafiador. Estudos indicam que elas tendem a apresentar mais episódios depressivos do que maníacos, além de fases hipomaníacas mais sutis. E é aí que mora um dos principais obstáculos: muitas dessas fases são vistas como “boas fases”, em que a mulher está criativa, produtiva, falante e sociável.

À primeira vista, isso não soa como um problema — especialmente em uma sociedade que valoriza produtividade e entrega. Mas esse “alto” pode esconder impulsividade, decisões precipitadas, irritabilidade e dificuldade de manter a constância. Quando o colapso vem — e ele vem —, surgem os sintomas depressivos, o cansaço extremo, a perda de interesse por tudo, o isolamento e, muitas vezes, pensamentos de morte.

O desafio do diagnóstico e o peso dos estereótipos

Outro fator que dificulta o diagnóstico correto é a sobreposição com outros transtornos. Mulheres com bipolaridade, especialmente do tipo II, são frequentemente diagnosticadas como tendo depressão unipolar, transtorno de ansiedade, TDAH ou burnout.

Embora essas condições possam coexistir, o foco exclusivo no episódio depressivo leva ao uso isolado de antidepressivos, sem estabilizadores de humor.

Isso pode piorar o quadro, precipitando episódios de mania ou aumentando a frequência das oscilações de humor. Mulheres com transtorno bipolar podem levar até cinco anos a mais que os homens para receberem o tratamento correto, de acordo com estudos internacionais.

A própria busca por ajuda costuma acontecer em momentos de crise depressiva. Já os períodos de hipomania são raramente relatados, ou são minimizados como fases de “superação” ou “empolgação”.

Há ainda um viés clínico que precisa ser enfrentado: a ideia de que mulheres são mais emocionais ou dramáticas, o que pode levar profissionais a desconsiderarem a possibilidade de um transtorno do humor mais complexo.

Soma-se a isso o impacto de fatores hormonais — como ciclo menstrual, gravidez, puerpério e menopausa — que podem acentuar os sintomas ou confundi-los com outras condições.

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Na prática, a mulher passa anos oscilando entre se sentir inadequada e tentar se ajustar ao que esperam dela. Isso consome energia e deixa marcas. É como viver numa montanha-russa emocional, sem entender quando começou a subir ou quando vai despencar.

Muitos relacionamentos são abalados por essa instabilidade, e a própria autopercepção fica comprometida. A mulher começa a duvidar da própria capacidade, do próprio valor. E o sofrimento não tem nome — até que tenha.

Quando o diagnóstico de transtorno bipolar é finalmente feito, tudo muda.

Não porque a condição desaparece, mas porque finalmente há um caminho. A mulher descobre que não é fraca, instável ou preguiçosa.

Ela está lidando com um transtorno real, validado pela ciência, que exige cuidado especializado. E esse cuidado pode vir de várias formas: acompanhamento psiquiátrico, uso de estabilizadores de humor (como lítio, valproato, lamotrigina), antipsicóticos atípicos e, claro, psicoterapia.

A psicoterapia, especialmente as abordagens baseadas em evidências como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), ajuda a identificar gatilhos, reconhecer sinais de alerta para recaídas, melhorar a adesão ao tratamento e promover autocuidado.

Ter um plano de bem-estar é essencial: ele inclui estratégias para lidar com momentos de crise, redes de apoio, rotina estabilizadora e espaço para cultivar a consciência emocional. Em outras palavras, trata-se de construir uma vida mais previsível e segura — sem abrir mão da autenticidade.

Tipos de bipolaridade e o impacto na vida cotidiana

É importante diferenciar os tipos de bipolaridade.

O Transtorno Bipolar tipo I envolve pelo menos um episódio de mania, com ou sem episódios depressivos.

O tipo II, mais comum entre mulheres, combina episódios depressivos com hipomania.

Já a ciclotimia é uma forma mais leve, com oscilações que não preenchem todos os critérios para mania ou depressão, mas ainda causam prejuízo.

Há também o transtorno bipolar com ciclos rápidos, quando ocorrem quatro ou mais episódios por ano — mais frequente em mulheres e associado, em parte, ao uso inadequado de medicações ou alterações hormonais.

Durante as fases depressivas, é comum a mulher se isolar, sentir-se sem valor, perder o interesse por atividades que antes davam prazer e experimentar uma lentidão que afeta o pensamento, o corpo e as relações.

Em momentos graves, surgem ideias de suicídio. Já na hipomania, tudo parece acelerado: fala, pensamentos, impulsos.

Há uma sensação de que tudo é possível. Mas o brilho dessa fase muitas vezes esconde decisões que, mais tarde, terão consequências difíceis — como dívidas, rupturas, esgotamento físico.

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A fase maníaca é mais intensa e preocupante. Pode haver delírios de grandeza, comportamento sexual de risco, agressividade e até episódios psicóticos. Quando isso acontece, é essencial agir rápido: entrar em contato com o psiquiatra, ajustar a medicação e, em alguns casos, considerar internação.

O uso emergencial de antipsicóticos pode ser necessário para proteger a vida da paciente e das pessoas ao redor.

Além disso, existe um aspecto ainda pouco discutido: o esforço silencioso que muitas mulheres bipolares fazem para parecerem “funcionais”. É o que chamamos de masking, ou mascaramento. A mulher, mesmo em meio ao caos interno, sorri, trabalha, cuida da casa, dos filhos e dos outros — enquanto por dentro sente que está desmoronando.

Esse esforço contínuo de esconder os sintomas consome energia psíquica e física, podendo levar a episódios de colapso emocional, como o meltdown (explosões súbitas de raiva ou choro) ou o shutdown (isolamento, paralisação, desligamento emocional).

Como uma paciente me disse uma vez, há mulheres bipolares que “explodem para fora”, e outras que “explodem para dentro”. As primeiras são vistas como impulsivas, histéricas, descontroladas. As segundas, como silenciosas, mas adoecem com sintomas físicos: dores crônicas, enxaquecas, gastrites, bruxismo, tensões acumuladas.

Ambas estão sentindo a mesma fúria interna, só que uma reage com barulho e a outra com retração. E, em ambos os casos, há sofrimento legítimo. A diferença é que a sociedade costuma validar a dor que é visível — e ignorar a que se mascara.

Para quem convive com mulheres que enfrentam esse transtorno, o convite é simples, mas profundo: exercitar a empatia. Não julgue uma mulher bipolar por ser “inconstante”. Tente ver além do comportamento visível. Pergunte como ela está, ouça com presença, esteja disponível. Para quem vive essa condição, o convite é outro: observe-se.

Se você sente que alterna entre momentos de exaustão e euforia, se já se viu empolgada com ideias que não conseguiu sustentar, se às vezes sente que sua mente vai rápido demais e, em outros dias, não sai do lugar — procure ajuda. Você não está sozinha. Nem está “quebrada”.

Ter um cérebro que funciona de maneira diferente não é um erro de fábrica. É uma característica que, com acompanhamento, pode ser regulada, compreendida e respeitada.

Assim como admiramos quem supera limites físicos, precisamos admirar também quem enfrenta os próprios limites mentais todos os dias — sem aplausos, sem medalhas, mas com coragem.

Caminhos de cuidado e reconstrução

O diagnóstico não é uma sentença. É, na verdade, o início de uma nova narrativa: a de quem decide cuidar de si, respeitar o próprio ritmo e construir uma vida possível — mesmo em meio ao caos.

Referências

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