Esse mês comemoramos o Dia Internacional da Mulher e ainda tem muito a ser feito e conscientizado no quesito igualdade de gênero. Mas como quebrar o ciclo da violência contra a mulher?
Enquanto muitas mulheres lutam por melhores salários e condições dignas de emprego, outras milhares ainda lutam para continuarem vivas.
O isolamento social gerado pela pandemia agravou ainda mais os números de violência contra a mulher, aumentou o número de feminicídio (o Acre foi campeão com aumento de 300%).
A frustação do desemprego, isolamento, ansiedade e depressão aflorou nos agressores a covardia de descontar suas angústias na sua companheira.
Mas porque a mulher apanha? Porque ela não sai do relacionamento?
Além da Síndrome de Estocolmo que já descrevi aqui, um fator importantíssimo deve ser levado em consideração: A infância condicionada a aceitar a violência.
Sempre que uma mulher chega ao meu consultório e relata um relacionamento conturbado de sofrimento e/ou violência física eu pergunto se ela era humilhada na infância.
Em quase cem por cento das vezes a resposta é sim, em raros casos que ela nunca vivenciou violência, o agressor foi quem viu a mãe ser espancada ou humilhada diversas vezes.
Reconhecer a violência que sofreu não significa ter que culpar os pais
E, é muito comum repetirem a história dos pais e ambos terem crescido em um ambiente disfuncional.
É normal ainda que o amor pelos pais impeça que aquela adulta diante de mim reconheça que o que viveu na infância era uma a violência.
Reconhecer a violência que sofreu não significa necessariamente culpabilizar os pais, e sim entender que a violência (surras, humilhações, abandono, castigos etc.) causaram dores emocionais que ainda sangram.
“Meu pai me bateu, mas nem por isso eu morri!”
Essa é uma frase recorrente entre os comentários nas redes sociais quando algum profissional da área da educação ou da psicologia recrimina os abusos físicos em forma de punição.
E é verdade, raramente violência física mata ou deixa sequelas físicas, mas deixa cicatrizes emocionais que muitas vezes voltam a sangrar.
Essa violência causa feridas no psiquismo, prejudicam o desenvolvimento e cedo ou tarde o adulto terá de cuidar delas.
Tratar essas feridas para que você não perpetue o ciclo da violência causando sofrimento aos filhos ou conjugues torna-se imprescindível para um futuro saudável.
Olhando pro meu passado e para os sintomas vejo claramente uma criança com déficit de atenção que foi obrigada com castigos físicos a treinar seu escasso foco.
O passado que se repete
Lembro-me claramente de meu pai com um cinto na mão vindo me bater por ter feito o que não devia, ter falado demais ou principalmente coisas que deixei de fazer.
Não acuso o meu pai, ele realmente acreditava estar correto pois fora educado assim também.
Porém isso me ensinou que é normal sofrer dores de quem diz nos amar.
Ele batia porque aprendeu que “O pai que ama o filho não poupa-lhe a vara”.
Já adianto aqui que esse provérbio bíblico antigo (Provérbios 13:24) cabe muitas interpretações e a violência contra crianças é apenas a mais nociva delas.
O sentimento que eu sentia na época era contraditório, pois eu amava muito o homem que naquele momento batia em mim, e ele ainda cria fielmente que fazia isso por amor.
Vivi anos em um relacionamento abusivo, não tinha castigos físicos, mas possuía alguns abusos em forma de proteção e cuidado que jamais aceitaria se não tivesse sido condicionada desde a infância a ver tais comportamentos com normalidade.
O castigo físico pode surtir efeito a curto prazo, a criança ferida deixa de praticar o comportamento, ou inicia um novo mais adequado ao que espera o adulto, porem ao mesmo tempo condiciona uma obediência cega.
Meninas castigadas física e psicologicamente na infância se tornam mulheres vítimas de agressores que muito provavelmente viu a mãe sofrer violência em nome desse amor.
Histórias que se cruzam
Raríssimas vezes pessoas são vítimas/agressores de relacionamento abusivo sem experiência anterior.
Dessa forma proteger as meninas e meninos de castigos físicos, abuso psicológicos e outros é também proteger a mulher adulta em um trabalho de prevenção.
Para evitar esse problema em junho de 2014 foi aprovada o Projeto de Lei nº 2.654/2003.
Ele considera que “direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos”.
A aplicabilidade da lei ainda não é tão boa quanto gostaríamos, mas já serve no mínimo de caráter educativo para mostrar o que é certo ou errado para que crianças feridas não se tornem adultos perpetuadores desse ciclo da violência.
Nesse Mês das Mulheres e a partir de agora, antes de gritar com seu filho ou filha, em público, agredi-la em qualquer momento por qualquer que seja o motivo, pense: eu faria isso a um adulto que porventura errasse comigo?
Porque quem fere a criança fere o adulto que ela se tornará e quando uma criança é violentada, nasce um adulto acostumado a sofrer ou causar dor e sofrimento.
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