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Autismo em mulheres adultas

O sofrimento causado pela falta de conhecimento e sobra de preconceito sobre autismo em mulheres adultas
Autismo em mulheres adultas

Desse 2007 no mês de abril é comemorado o Mês Azul: o mês da conscientização sobre o autismo.

É o mês para aprendermos mais sobre o espectro e refletimos sobre nossos estigmas e preconceito quanto sociedade.

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O presente artigo tem a intenção de alertar sobre os sinais do TEA- Transtorno do Espectro Autista em mulheres e meninas, mas o diagnóstico somente será feito por uma equipe médica.

O que é autismo?

O autismo é um transtorno do desenvolvimento que afeta o sistema neurológico da criança, causando alterações na comunicação, mudanças no comportamento e dificuldade (ou ausência) de interação social e, sendo geralmente identificado entre os 12 e 24 meses de idade.

O transtorno traz entre outros sintomas: demora ou dificuldade na fala; alteração nas funções motoras; dificuldade de concentração ou hiperfoco; preferência por determinadas comidas ou seletividade alimentar; dificuldade de manter contato visual; demora ou incapacidade para desenvolver a fala; movimentos repetitivos etc.

Esses sintomas são mais facilmente identificados nos meninos. Se todo o conhecimento compartilhado sobre autismo tivesse um rosto ele seria infantil e majoritariamente masculino. E como o TEA não tem cura, porque faltam literatura sobre a fase adulta e a velhice?

Ao pesquisar sobre autismo em meninas, até mesmo nos artigos científicos publicados, percebemos escassez de informações e conhecimentos sobre o tema.

E porque isso acontece? Estudos indicam que as meninas autistas têm uma linguagem melhor desenvolvida, pois possuem uma maior inteligencia emocional em comparação aos meninos da mesma idade.

Isso acontece devido à estrutura cerebral, que é diferente entre eles por causa dos aspectos hormonais, isso faz com que elas camuflem mais facilmente os comportamentos “indesejados” como as estereotipias e as crises de autorregulação**, dificuldades de interação social e etc.

Elas aprendem desde cedo que esses sintomas não são bem vistos porque foram educadas para atender o que a sociedade esperam delas.

Outro fator importante a ser observado é que nas meninas é esperado que tenham um maior contato social desde pequenas com beijos e abraços, seja em familiares e amigos ou cuidado com os irmãos, por isso, os especialistas enfrentam dificuldades para fazer o diagnóstico nesse cenário.

Alguns sintomas observados nas meninas com autismo e que podem acompanhar a vida adulta são:

Literalidade: elas acreditam no que é falado de forma literal e se apresentam mais inocentes que outras meninas não autistas, podem não perceber piadas de mau gosto, abusos e outras situações de perigo, isso compromete seu relacionamento interpessoal, deixando-as vulneravéis para o bulling e relacionamentos abusivos.

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São também muito sinceras e isso pode assustar outras pessoas não acostumadas. Um fato curioso que percebi (que necessita ainda de mais estudos e comprovação) é que em algumas delas essa literalidade faz as meninas e mulheres terem dificuldades de mentir, fingir e serão muito sinceras, inclusive quando vão posar para fotografias, não se sentem á vontade, na grande maioria das vezes estarão sérias ou se precisam fingir um sorriso para fotografias esse é claramente forçado.


Ingenuidade: Por serem mais literais, meninas autistas possuem tendência a acreditar que outras pessoas também são, dessa forma acreditam sem questionar o que lhe é dito, um prato cheio para bulling e relacionamento abusivo.

Sensibilidade a sons, cheiros, sabores e luz forte: meninas (e mulheres) autistas terão mais dificuldades em ambientes com alguns tipos de luz e som que outras não autistas, terão percepção mais apurada de cheiros ou sabores que não são percebidos por pessoas neurotípicas.

Depressão na adolescência: Por não entenderem piadas e/ou maldade elas poderão sofrer bullyng e isolamento social, podem sentir que não se encaixam no padrão estabelecido pela sociedade, ficará com a autoestima prejudicada e isso trará como sintoma um quadro depressivo, ansioso ou mesmo distúrbios alimentares.

Vestimentas e cabelos a sua própria vontade: Principalmente na adolescência é comum a jovem se preocupar em se vestir de acordo com a moda do momento, isso pode não acontecer na menina autista. Elas podem se apresentar com cabelos de cores diferentes ou cortes únicos, e vestes completamente diferentes do seu grupo em cores e padrões.

Planejamento: elas também terão dificuldades em sair do planejado como uma visita inesperada, uma mudança repentina na rotina etc.

Vivencias clínicas

Durante anos mulheres buscaram ajuda psicológica comigo, principalmente vítimas de relacionamentos abusivos. Algumas delas trouxeram relato de depressão profunda que as acompanharam durante uma grande parte de suas vidas, principalmente na adolescência, muitas vezes marcadas por ideação suicida.

Algumas tomaram por muito tempo, medicamentos psicotrópicos para controlar os sintomas de depressão, ansiedade e fobia social.

Mas durante esses anos eu comecei a entender uma repetição nos padrões de comportamento em algumas pacientes (que mais tarde receberam o diagnóstico de TEA.) Por exemplo: o que elas chamavam de “tristeza profunda depois de uma festinha de aniversário” era um esgotamento físico após muito contato social.

A “vontade de não ver luz e não escutar ninguém” era uma hipersensibilidade a luzes e alguns tipos de sons, e dificuldades de interação social. Muitas dessas mulheres tinham filhos autistas e já se identificavam com alguns aspectos.

Geralmente tinham poucos amigos e não se consideravam tímidas, apenas evitavam ser o centro das atenções e tinham dificuldades de interagir com várias pessoas ao mesmo tempo por não saber como se comportar. Seus cabelos e roupas seguiam seu estilo próprio, (já vi alguns bem curtos, ou azuis, rosa etc.) sem se importar com o que o outro iria dizer.

Comecei assim o processo investigativo e levantamento de hipótese, para ter um direcionamento no processo psicoterapêutico dessas mulheres, eu fazia perguntas direcionadas e acabei percebendo que elas se enquadravam no espectro autista.

Algumas delas não conseguiram ser entendidas nos seus sintomas nas primeiras vezes com o psiquiatra, tomaram medicações para outras causas por tanto tempo e finalmente depois de trinta, quarenta ou até cinquenta anos foram perceber o porquê de tantas emoções e sentimentos que não entendiam.

Gardênia* tinha 43 anos quando começou o processo psicoterapêutico comigo, ela havia recebido o diagnóstico de depressão com fobia social.

Através da minha experiência com meu próprio filho com autismo leve observei nela alguns traços como: o modo de se vestir a sua própria maneira independentemente se as cores combinavam, as estampas tinham um padrão mais infantilizados; uma necessidade de entender os padrões das coisas; aversão ao sol forte (dizia ser alérgica ao sol); irritação com alguns sons, foi abusada na adolescência pois não percebeu a maldade do agressor etc.

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Apesar do diagnóstico médico ela me reclamava que não sentia possuir depressão porque “era só em alguns dias” que ela tinha crises, depois que passava ela ficava bem. Se culpava muito por não abraçar a filha e o marido, não gostava de abraços no trabalho e se incomodava demais das pessoas serem falsas, fazerem fofocas e estarem “sempre de risinhos entre elas”.

Quando comecei a perguntar para ela questões relacionadas ao autismo ela teve uma crise de autoregulação** dentro do consultório, batia com a cabeça na parede e chorava muito pois jamais falara desses sintomas para ninguém e somente agora entendia que “não estava louca”.

Margarida* também foi uma paciente minha, com 13 anos de idade, os cabelos cortados bem curto e pintado de azul, não usava brincos ou enfeites no cabelo porque a incomodava, apesar da mãe querer que ela tivesse amigos e se socializasse, ela tinha apenas uma amiga.

Se incomodava com maus-tratos a animais, tinha vários animais de estimação que incluía um grilo, um hamster, um peixe,.. era vegana porque achava inconcebível que comêssemos bichos.

Falava que a mãe era falsa pois só dizia o que pensava longe da avó e a principal reclamação era que não tinha um local pra ficar sozinha porque o quarto era compartilhado.

Sofia*, 6 anos é muito sincera e transparente, não gosta de abraços e tem crise (achava-se que era birra) de se jogar no chão quando algo não saía conforme o planejado.

Antes de pintar um desenho coloca todos os lápis separados por padrão de cores e desde os 4 anos procura pintar dentro das bordas dos desenhos, os brinquedos também são separados por categoria.

Não gosta muito de amigos da mesma idade, relacionando basicamente com crianças mais velhas ou bebês.

Dália* 33 anos, recebeu o diagnóstico de autismo moderado há aproximadamente 1 ano, é advogada, conseguiu fazer faculdade de direito com excelentes notas comparecendo o mínimo permitido ás aulas.

Na prova da categoria de ordem (OAB) recebeu notas excelente na primeira tentativa, porém ela sentia alguns incômodos para exercer sua profissão.

Trabalhando na área de família tinha dificuldades de lidar com as emoções de seus clientes em situações de divórcio; possui dificuldades de interagir com grupos de pessoas; sons agudos e cheiros específicos a desestabilizam, faz movimentos corporais para frente e pra trás, gira uma moeda entre os dedos das mãos para se acalmar.

Durante adolescência passou por depressão, tentativa de suicídio, problemas com álcool etc, tem um apego especial por animais possuindo vários bichinhos de estimação. Mas a principal reclamação dela são as crises de autorregulação que a deixa agressiva e sempre a envergonhou a vida toda.

Após o diagnóstico ela conseguiu identificar situações em que a desregulava e começou a ter mais qualidade de vida. Quando encaminhadas para avaliação neuropsicológica e psiquiátrica todas elas tiveram o diagnóstico comprovado de autismo, mas somente depois de muita insistência minha e delas próprias também.

A primeira fala do profissional geralmente era: “mas você não tem cara de autista!”. “Que diferença o diagnóstico vai trazer na sua vida?” A opinião delas é unânime: se soubesse antes teriam poupado muito sentimento de culpa, de inadequação, de ‘que o mundo está todo errado’ ou ‘existe algo errado comigo’.

Após o diagnóstico elas puderam finalmente aprender e compreender coisas que foram essenciais ao seu desenvolvimento e qualidade de vida como se prevenir com abafadores de ouvidos em locais com muito barulho, não se sentirem culpadas em se retirar de exaustivas reuniões familiares, diminuíram o uso de antidepressivos, etc.

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Concluo afirmando que acredita-se que o autismo é 4 vezes maior no sexo masculino, mas, porventura não são elas pouco compreendidas e notadas?

Quanto ter uma inteligencia fora da média não as ajuda mascarar os sintomas?

Um olhar mais apurado e clínico do profissional psicoterapeuta e do psiquiatra irá trazer muito mais qualidade de vida a essas mulheres.

*Nomes fictícios para proteger a privacidade das envolvidas.
**Crise de autorregulação significa a habilidade de poder monitorar e modular sentimentos, a cognição e o comportamento a fim de “atingir um objetivo e adaptar-se às demandas cognitivas e sociais para situações específicas”.

Se você se identificou com os sintomas descrito no texto procure ajuda de um psicólogo, ele irá avaliar e te encaminhar a um psiquiatra para diagnóstico.

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Sobre o autor(a)

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Luciana Santos

Psicóloga e Analista Comportamental apaixonada por pessoas e seus comportamentos anseia por levar a conhecimento ajudando as pessoas a resolverem seus problemas diários.
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