“Tendo um cabelo tão bom, cheio de cacho em movimento, cheio de armação, emaranhado, crespura e bom comportamento, grito bem alto, sim! Qual foi o idiota que concluiu que meu cabelo é ruim? Qual foi o otário equivocado que decidiu estar errado o meu cabelo enrolado?
Ruim pra que? Ruim pra quem?
Infeliz do povo que não sabe de onde vem.” (Elisa Lucinda)

Tentar ser outro para ser alguém, pode ser indício de sofrimento psíquico que necessita ser reconhecido, considerado e cuidado pelo psicólogo que traz, ou deveria trazer de sua formação acadêmica, o aprendizado que fundamenta a profissão.

Ou seja, reconhecer a manifestação de um motivo para sofrimento psíquico que o cliente traga como demanda para tratamento na clínica. Entretanto, em minha experiência pessoal e profissional compreendo que nem sempre isso acontece.

O caminho para que haja um manejo assertivo começaria pela apresentação do assunto na formação do psicólogo, nas escolas de psicologia.

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Nessa direção, estudar a constituição histórica do racismo e como essa estrutura se organizou resultando tanta desigualdade, é fator o principal para que o profissional entenda o racismo e como essas subjetividades atravessam o indivíduo.

A constituição histórica do racismo no Brasil inicia-se a partir da formação étnica pretendida pelos europeus quando ocorreu a abolição da escravidão.

Há algum tempo a questão do não reconhecimento do sofrimento emocional provocado pelo racismo me incomoda, mais particularmente, quando percebi que na estrutura de temas na grade de psicologia não havia racismo. Não se falava no assunto e quando mencionado era de uma forma rasa e simplista.

Recentemente em meus estudos com a intenção de entender melhor a nossa estrutura racista, descobri que o fato de psicólogos não reconhecerem que racismo provoca adoecimento psíquico é recorrente e, parte desses profissionais são professores nos cursos de psicologia.

Fato que dificulta a discussão e a melhor abordagem sobre o tema na escola e na clínica.

Felizmente, o CRP nos auxilia a trabalhar com essa demanda. Conforme especificado na resolução CRP-018/2002, que estabelece normas de atuação para psicólogos quanto ao preconceito e a discriminação racial.

Temos também, a publicação de setembro de 2017: Relações Raciais – Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas (os).

Conselho Federal de Psicologia – Conselhos Regionais de Psicologia – CREPOP (Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas), que se torna a partir de sua divulgação, importante instrumento de suporte de trabalho para os psicólogas (os).

Segundo o informe da ONU (Organização da Nações Unidas) de 12 de setembro de 2014 o racismo é estrutural e institucionalizado permeando todas as áreas da vida.

Junto a este fator e baseada em dados históricos da construção do Brasil, depreendi que adoecimento psíquico por sofrimento de racismo é uma realidade.

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Tanto que há grupos de psicólogos conversando e incluindo em seus fazeres clínico tratar com muita atenção essa questão que torna-se um grande desafio, uma vez que precisamos estudar, entender e praticar essa tarefa difícil, delicada e subjetiva.

Muitas vezes o psicólogo precisará entender o racismo latente e manejar de forma que o seu cliente entenda de onde vem aquela manifestação dolorosa, ansiosa, deprimida, sofrida. Grande desafio, exigindo principalmente empatia para a percepção do problema.

Entendamos um pouco de onde vem tamanha estrutura. Primeiro podemos ir ao dicionário e buscar a definição da palavra racismo: Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: 1. Doutrina que sustenta a superioridade de certas raças; 2. Preconceito ou discriminação em relação ao indivíduo(s) considerado(s) de outra(s) raça(s).

Teremos que olhar para uma estrutura racista, rígida e segregacionista que começou a acontecer junto com a tentativa frustrada de escravizar índios, que aqui estavam quando o Brasil foi descoberto e, a posterior escravização dos negros trazidos da África.

O nosso modelo das relações raciais deu-se pela mistura de raças e culturas que por aqui foram chegando. Aparecendo e consolidando um modelo diferente de outros lugares do mundo onde o racismo era explícito.

A cultura racial, a forma de como elementos raciais foram introjetados em nossa cultura diferente, por exemplo, da forma que aconteceu nos Estados Unidos.

A nossa visão de constituição racial abrange uma gama de itens, tais como tom da pele, tamanho do nariz, da bunda, dos pés, tipo de cabelo etc.

Sendo que o item tom da pele pode localizar o indivíduo praticamente em uma subclasse dessa como, mestiço, caboclo, cafuzo, moreno, pardo etc.

Caracterizando um racismo mais estrutural e institucionalizado em que o não branco não é considerado negro. Nos Estados Unidos a classificação racial é mais direta.

Se a pessoa tem em sua origem racial um negro, é considerada da raça negra mesmo que tenha traços caucasianos.

A partir dessa visão o negro americano organiza-se melhor, até por isso nesse país o racismo seja mais explícito. Fato que não ocorre no Brasil, embora de alguns anos para cá temos nos deparado com situações claramente racistas.

A comunicação através das redes suportadas pela internet vem nos ajudando na localização e denúncia de racismo.

No Brasil, temos a mistura das raças, como Elisa Lucinda nos diz lindamente em sua poesia. O que se deu foi ironicamente o inverso do que o pretendido pelos europeus: temos um país de formação étnica fortemente miscigenada advinda da descendência branca europeia, índia brasileira e negra africana, com importante presença da cultura negra nas artes plásticas, música, religião, culinária, esporte, literatura etc

No Brasil existe o mito da democracia racial que consiste na premissa de que o negro não sofre preconceito nem discriminação, e quando sofre seria em pouca proporção, pois acredita-se que o pais tenha escapado do racismo por ser uma nação miscigenada.

Entretanto, sabemos que essa teoria não se sustenta em nossa realidade social, pois fatos cotidianos, estatísticas relacionadas ao tema e estudos sobre, evidenciam que o racismo atinge a população negra que é mais da metade da sociedade.

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O racismo existe e precisa ser entendido para que seja enfrentado e combatido com ações afirmativas que promovam igualdade em todas as áreas, alcançando a todos e promovendo a dissolução de tantas diferenças. Ações afirmativas partindo de instituições comprometidas com a causa do negro, estudar os teóricos acadêmicos que não nos são apresentados mais largamente.

A psicologia necessita se implicar em colaborar com a construção de conhecimento sobre racismo e as condições de quem sofre e o pratica, auxiliando em um maior entendimento da matéria por parte de psicólogos e profissionais de outras áreas.

Outra importante ação afirmativa, é a política de cotas nas universidades públicas. Positiva, quando possibilita ao negro, o acesso a esse espaço e em decorrência dessa possibilidade, menor dificuldade de ingresso no mercado de trabalho.

Entretanto, sabe-se que essa ação não ocorre tranquilamente na medida em que acarreta discussões sobre a validade da aplicação da lei. Também seria interessante entender que preconceito racial e social, são temas sistematicamente confundidos, fato que atrapalha a implantação de ações afirmativas.

O entendimento que esses dois temas são diferentes e por desconhecimento da história e das necessidades da população negra, historicamente marginalizada, desconsiderada e apartada de oportunidades de educação e trabalho, essas duas questões são colocadas como iguais no centro de uma discussão que precisa ser afinada.

Vejo a psicologia como meio importantíssimo para entender comportamentos racistas e auxiliar demandas que surjam na clínica originadas dessas vivências.
O complexo entendimento do racismo ira contribuir para o tratamento.

O sofrimento poderá ser elaborado e poderemos entender de que valores firmados nas referências do outro não levarão ao caminho da cura. A marcação a partir da referência do outro impedirá a construção de uma personalidade identificada com seus próprios valores raciais e étnicos.

O psicólogo precisa entender que sofrimento por racismo deve ser reconhecido e tratado. É urgente que esse tema seja discutido em todos os fóruns, no caso de nosso tema mais particularmente pela psicologia, para que o Brasil evolua como uma sociedade justa e com oportunidades iguais para todos.

Referências Bibliográfica:

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda, Mini Aurélio: O Dicionário da Língua Portuguesa: Curitiba: Positivo, 8a. edição, 2008

Comentários

  • Rodrigo Xavier Franco
    Responder

    Parabéns pelo texto, Eneida.
    Precisamos ( e muito) empretecer a Psicologia. A graduação deixa muito a desejar nessa temática do racismo.

  • Eneida M Paula P Souza
    Responder

    Obrigada, Rodrigo.
    Precisamos pensar nisso cada vez mais.

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