As sociedades estão constantemente em processos de mudança. As transições sociais como a cultura, a ética e os valores se modificam e transformam a sociedade ao longo dos tempos.
Para entender este processo, é preciso não só entender as mudanças da própria sociedade, sejam estas no seu modo de agir, pensar e se relacionar, mas também a evolução dos dispositivos que propuseram e/ou fizeram parte dessas modificações.
“Cada um de nós é uma espécie de encruzilhada onde acontecem coisas”
(Levis-Strauss)
A partir desta reflexão, este trabalho de pesquisa, intitulado Redes Sociais: algumas reflexões da Psicologia sobre o ciberespaço têm por objetivo trazer reflexões, através do campo da Psicologia, acerca das influências das redes sociais digitais no comportamento da sociedade.
Indice
- As redes sociais antes da internet
- A evolução das redes sociais
- Fenômenos nas redes sociais digitais
- O fascínio dos selfies
- A experiência contemporânea dos nudes
- A Socialização virtual
- Alienação e anomia nas redes sociais virtuais
As redes sociais antes da internet
O fenômeno de redes sociais é uma organização antiga e não se presentifica somente na rede mundial de computadores. Ele data desde a época pré-histórica em que o homem se agrupava em torno de uma fogueira para compartilhar seus interesses, tais como a comida, o calor, etc.
Mais tarde, com o desenvolvimento da linguagem escrita e falada, essas reuniões passaram a ser compartilhadas entre amigos em escolas, igrejas, bares, empresas, futebol.
O antropólogo Levis-Strauss, apud Vermelho, Velho, Bertoncello esclarece que “Cada um de nós é uma espécie de encruzilhada onde acontecem coisas”.
A geometria traria uma ilustração nesse sentido que explica a rede como caminhos, que se ligam por pontos representados pelos indivíduos.
Estes, enquanto pontos, se tornam detentores de um conhecimento e deparam com um mundo de saberes além do dele.
A rede funciona conferindo identidade aos seus indivíduos. Incorpora processos e valores de uma sociedade e fornece um lugar de experiência situado em um contexto histórico.
Se o homem evoluiu dos primatas, o Facebook evoluiu de onde?
O progresso avassalador das tecnologias digitais e a profusão de novas formas de interações sociais nos convocam a um olhar cuidadoso sobre o desenvolvimento deste processo e suas consequências sociais.
A evolução das redes sociais
As redes sociais surgiram para suprir as necessidades do homem em compartilhar e criar laços sociais com o outrem. Elas foram se modificando e se adaptando ao longo do tempo.
Os seres vivos se originaram da forma mais simples e foram evoluindo. Se o homem evoluiu dos primatas, o Facebook evoluiu de onde?
É preciso desvendar a árvore genealógica das redes sociais, e a história da internet dispara esse processo.
A internet surgiu na década de 90, e o e-mail era a única forma de comunicação entre usuários da internet.
Em 1997, surgiu AolInstant Messenger, um popular software e um dos pioneiros de bate-papo instantâneo, que permite aos seus usuários protocolar comunicação em tempo real por texto, voz ou vídeo pela internet.
A Friendster foi a primeira rede criada em 2002 e uns dos primeiros sites a levar esse fenômeno de socialização à cultura de massa.
A My Space foi criada em 2003, como uma rede social que se estrutura por meio de uma rede interativa de fotos, blogs e perfis de usuários que oferece um sistema interno de e-mail, fóruns e grupos, como proposta de interlocução on-line.
A rede social Linkedin, fundada em dezembro de 2002, pelo americano empresário Reid Garrett Hoffman, foi lançada em 5 de maio de 2003, com o propósito de modificar o conceito de redes sociais.
Em 2006, foi autorizado o acesso para qualquer pessoa acima de 13 anos criar seu perfil no Facebook. Nos Estados Unidos, no ano de 2006, foi criado por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass a rede social Twitter.
Os fundadores tinham como principal ideia que a rede social fosse uma espécie de “SMS da internet” com a limitação de caracteres de uma mensagem de celular.
O nome Twitter expressa “uma pequena explosão de informações inconsequentes ou pios de pássaros” e passar ter notabilidade e popularidade por todo mundo desde a sua criação, embora tenha sido popularizado, no Brasil, em meados de 2008.
A rede social Instagram foi lançada em 6 de outubro de 2010 pelos autores Kevin Systron e Mike Kriege.
“…as “redes sociais” funcionam como um conjunto de nós interconectados, com estruturas abertas que são capazes de expandir de forma, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede…”
(Castells, 1999. p 498)
Fenômenos nas redes sociais digitais
Atualmente, as redes sociais digitais convocam a sociedade para uma discussão aberta sobre a criação de informação, seus efeitos e mudança social.
Cabe enfatizar que as redes sociais passaram a ser um cenário de reivindicações de desejos e manifestações sociais.
Ou seja, elas apresentam um aspecto marcante de interatividade, possibilitando uma ramificação das ideias e dos desejos.
Castells esclarece que as “redes sociais” funcionam como um conjunto de nós interconectados, com estruturas abertas que são capazes de expandir de forma, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede (1999. p 498).
Na medida em que os discursos se encontram e combinam, eles estabelecem novas conexões e possibilidades conectivas.
Serão apresentados através das categorias conceituais definidas para esta pesquisa o self, o nudes, socialização virtual, a alienação e anomia nas redes sociais virtuais.
O fascínio dos selfies
Na década de 80, iniciou-se a revolução digital e, em pouco mais de 20 anos, a tecnologia foi amplamente difundida.
Três décadas mais tarde, o digital venceu o antigo sistema analógico. As câmeras ficaram cada vez menores a ponto de serem incorporadas a aparelhos celulares e outros dispositivos portáteis.
O retrato fotográfico é uma criação real e especular, permitiu ao sujeito jogar um novo jogo do espelho mágico de si mesmo através do olhar do outro.
Entretanto, o selfie ultrapassa as qualidades visuais da imagem, propicia interpretações que vão além da alteridade e da intersubjetividade dos indivíduos de acordo com Medeiros.
Freud, o criador da psicanálise, desenvolveu o conceito de narcisismo. Esta contribuição possibilita acréscimo para uma primeira análise a respeito do fenômeno do selfie na sociedade pós-moderna.
O meio virtual é um ambiente no qual o sujeito pode expressar seus comportamentos narcísicos, visto que as ferramentas oferecidas nas redes sociais tornam-se facilitadoras na criação da imagem que se deseja.
Bauman, em sua obra A cultura no Mundo Líquido Moderno, historiciza o processo de desenvolvimento cultural e caracteriza a cultura como um mecanismo que aponta as diferenças de classe, elegendo a beleza como uma característica social de diferenciação, sendo ela o fruto de uma opressão e imposição da classe dominante, que não só a consome, como também produz e aprova seu conceito.
A valorização da imagem originou uma expansão da beleza estética em várias áreas da atividade humana, porém, na área da construção da autoimagem e da relação do ser humano diante do outro, o problema acabou afetando violentamente a saúde emocional e as relações humanas e sociais.
A experiência contemporânea dos nudes
Exibir-se nu em frente a desconhecidos não é pratica nova, mas tomou força renovada na internet e nas redes sociais. A forma como a nudez é tratada em face da sociedade vem sendo ressignificada no mundo virtual.
Ao lidar com a questão da nudez, é plausível dizer que há muito tabu ainda abrangendo o assunto, uma vez que, em certo ponto da história da humanidade, esta passou a ser um assunto polemizado, atribuído de constrangimento, de pudor.
Dependendo do contexto histórico, a nudez é tratada de forma diferente, a época e a cultura que este assunto está submetido.
A partir da definição criada a cerca do que é o pudor, pode-se considerar que a sociedade burguesa tomou para si o poder de ocultar a nudez, trancafiando os corpos.
O homem nasce na nudez e no processo civilizatório, aprende a vergonha e o pudor do próprio corpo.
A indústria do corpo belo tem se tornado algo tão evidente na sociedade capitalista que ressignifica a nudez através de padrões de beleza que limitam e excluem as pessoas que não possuem o que é considerado padrão ideal da sociedade, a cada momento.
A liberdade proporcionada pela internet torna as redes sociais o palco de exposições do cotidiano, opiniões, frustações nos relacionamentos, sentimentos e assuntos relacionados ao corpo.
O fenômeno virtual do nudes não se definiria apenas pelo nu completo, se consideramos somente corpos nus, mas também imagens veladas ou de corpos que se expõem quase nus ou seminus.
Desta forma, o nude pode ser categorizado como total ou parcial, a percepção da imagem é que definirá no imaginário virtual como nudes.
A Socialização virtual
A maioria dos brasileiros se sente envaidecida em demonstrar grandes números de amigos, gostam de ser reconhecidos e de fazer parte de diversos grupos, transparecendo que são pessoas «bem relacionadas», comunicativas e que transitam em diversos ambientes.
Segundo uma pesquisa realizada em 15 de novembro de 2006, na qual foi aplicado um questionário com 480 usuários do Orkut, 53% dos entrevistados informaram possuir uma lista com mais de 100 pessoas em sua rede social, no entanto, o número real de amigos não ultrapassava o de 20 pessoas.
Essa pesquisa demonstrou que as pessoas se sentem mais populares em estabelecer relações com desconhecidos.
Bauman diz que recorremos, então, para a quantidade de novas mensagens, novas participações, para as manifestações sociáveis nessas redes sociais digitais.
Desta forma, nos tornamos, portanto, indivíduos que se sentem seguros somente se conectados a essas redes, fora delas, os relacionamentos são frágeis, superficiais e nada estimulantes, «um cemitério de esperanças destruídas e expectativas frustradas», aponta Bauman.
De acordo com Bauman, a era em que vivemos é a era da liquidez, os valores que a nossa cultura ocidental até então estabelecera como os mais nobres e elevados, cada vez mais, diluem-se como a água que se escorre das nossas mãos, sem que sejamos capazes de detê-la.
Na sociedade de consumo, não há espaço para a dor, é preciso consumir sempre para não ter que se deparar com as próprias falhas.
Os sentimentos de solidão e sofrimento são os principais problemas das pessoas. Os seres humanos estão sendo adestrados a não se apegarem a nada, para não se sentirem sozinhos.
Alienação e anomia nas redes sociais virtuais
Em se tratando de redes sociais virtuais, é de senso comum associar seu uso intenso e expositivo às críticas de alienação e perda da noção de certo e errado.
Para tanto, se fez necessário o esclarecimento dos referenciais de alienação e anomia para uma melhor reflexão acerca dessa relação com as redes sociais virtuais.
De acordo com Meireles apud Bleger:
[…] a alienação é o fenômeno que se produz em condições histórico-sociais definidas, […] em que as relações humanas se subvertem de tal maneira […] se coisificam, e perdem a qualidade de comunicação direta e plena. Na medida em que o homem se “coisifica”, […] por que se aliena de suas qualidades humanas, se esvazia, se empobrece, […] os objetos se animizam, adquirem propriedades humanas e ficam dotados de um poder que escapa ao controle dos homens, porque estes já não reconhecem estas qualidades dos objetos como […] inerentes ao ser humano e, inclusive, ficam submetidos a esta potência dos objetos como potências estranhas.
(2012, p. 89 e 90)
Isto explicaria o poder de influência que a tecnologia e as redes sociais estabelecem sobre a sociedade atual. A nossa «sociedade em rede» atual é um produto da revolução digital e de algumas grandes mudanças socioculturais.
Uma dessas mudanças é marcada por uma maior atenção ao crescimento individual e um declínio do coletivo no âmbito do espaço, trabalho, família e atribuições em geral. Mas a individualização não significa isolamento ou o fim do coletivo.
A fixação pela internet sugere que o indivíduo acabe por pensar de maneira bitolada, até mesmo acreditando em tudo que é publicado na internet, sem realmente ter refletido sobre as informações, alienando-se mais ainda. Bleger aponta que o conceito de alienação deve ser integrado ao de anomia.
Ainda nesta mesma linha de considerações, a anomia, que é a perda de referências, causa no indivíduo o isolamento em todas as esferas sociais. Com a perda do referencial, ele tende a entrar em um estado de alienação através do mundo virtual.
O ser humano ao acessar o ciberespaço pode, a partir daí, não ser mais um humano, a rede social possibilita que ele assuma diversas identidades, representação de algo ou até mesmo um falso humano, que é chamado em rede de fake.
Os fakes são muito comuns nas redes sociais da internet, pois são utilizados como um meio do usuário não se expor e, assim, interagir através de um personagem.
No espaço virtual, os indivíduos assumem outra vida, onde, muitas vezes, tomam características que, na vida real, talvez, não pudessem assumir.
Dessa forma, acabam-se estabelecendo relações, digamos sócio-virtuais falsas. A sociedade está se tornando cada vez mais dependente da tecnologia e, consequentemente, esse advento tecnológico torna-se parte integrante e essencial do nosso cotidiano.
A dinâmica universal da virtualização atinge, hoje, não apenas a informação e a comunicação, mas também os corpos, o desempenho econômico, os quadros coletivos da sensibilidade e o exercício da inteligência.
Embora o ciberespaço desempenhe um papel capital em curso, ele vem ultrapassando amplamente a informatização.
A virtualização afeta até mesmo o estar junto.
A constituição do «nós» pode dar-se através de comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual, etc.
No selfie, o sujeito procura sempre os melhores ângulos, a fim de que a imagem projetada gere o maior número de curtidas, elogios, reconhecimento, admiração e ser amado, pois deste modo o sujeito poderá ter o seu ego preenchido.
Assim como o selfie, o nudes busca, através da mídia, ressignificar a nudez, tendo os padrões de beleza impostos pela sociedade como metas a serem alcançadas.
A imagem do corpo e a sexualidade por ele trazida podem limitar e excluir aqueles que não alcançarem o padrão estabelecido socialmente.
Além da problemática dos padrões de beleza, a imagem idealizada do corpo rompe com a fronteira do público e do privado que estão em um processo de dissolução.
A fluidez que as redes sociais digitais proporcionam na sociedade acarretam relações pautadas por anomia em que os indivíduos experimentam uma liberdade que não se reporta ao mundo social.
Como as redes permitem a criação de fakes, o usuário pode se esconder dentro de uma identidade e, assim, pode violar regras sociais estabelecidas e dar vazão a impulsos reprimidos.
* Esse artigo é uma compilação do trabalho de pesquisa Redes Sociais: algumas reflexões da Psicologia sobre o ciberespaço feito pela autora Marcela Santos, orientada pela professora Paula Lessa Muniz por meio da Faculdades Integradas Maria Thereza
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