Para muitas mulheres com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), os relacionamentos abusivos representam uma dolorosa armadilha emocional que parece não ter saída.
A complexidade do TDAH, caracterizada pela desatenção, impulsividade e disforia sensível à rejeição (DSR), torna essas mulheres mais vulneráveis à manipulação emocional, à culpa constante e ao isolamento.
A desorganização interna muitas vezes se reflete no cotidiano, gerando uma percepção equivocada de incompetência que abusadores utilizam como ferramenta para enfraquecer ainda mais a autoestima dessas mulheres.
Compreender essa dinâmica e trazer visibilidade ao impacto do TDAH em relacionamentos abusivos é necessário para que essas mulheres possam romper o ciclo da violência e buscar uma vida mais saudável.
O impacto do TDAH e da DSR na vulnerabilidade emocional de mulheres em relações abusivas
A disforia sensível à rejeição (DSR) é um dos aspectos mais dolorosos do TDAH, que causa uma sensibilidade extrema à rejeição ou críticas, seja ela real ou percebida.
Para quem lida com a DSR, a rejeição provoca uma dor emocional intensa e avassaladora, capaz de impactar diretamente sua capacidade de resposta ao ambiente. E porque essa disforia acontece?
Essa mulher cresceu ouvindo reclamações e censuras sobre seus próprios sintomas do transtorno como impulsividade e desatenção.
Quando em um relacionamento abusivo, esse traço se torna um ponto vulnerável explorado pelo manipulador.
Pequenos gestos de desaprovação ou críticas sutis são suficientes para desencadear um ciclo de culpa e de esforço excessivo para agradar, o que acaba por alimentar o poder do abusador e esvaziar emocionalmente a vítima.
As mulheres com TDAH, muitas vezes, encontram-se em uma posição de constante submissão, acreditando que são sempre responsáveis pelos problemas na relação.
Esse padrão reforça um ciclo abusivo em que a necessidade de aprovação e medo de rejeição se tornam mecanismos de controle usados pelo parceiro.
Como a miopia temporal e a baixa autoestima agravam o ciclo de abuso
Outro quesito que contribui para o aprisionamento de mulheres com TDAH em relacionamentos abusivos é a miopia temporal, uma característica muito presente nesse transtorno.
A miopia temporal refere-se à dificuldade de visualizar e planejar o futuro, o que resulta em uma ênfase exagerada no presente.
Para muitas mulheres, isso significa que os abusos são vivenciados como situações que precisam ser resolvidas no imediato, sem que elas consigam enxergar uma estratégia para sair do relacionamento ou planejar uma mudança a longo prazo.
A sensação de que o abuso é uma situação constante e inescapável faz com que essas mulheres fiquem presas, perpetuando um ciclo em que o abuso é normalizado e aceito.
Abusadores muitas vezes se aproveitam das dificuldades comuns associadas ao TDAH, como a desatenção e o esquecimento, para manipular a vítima e distorcer eventos passados.
Essa manipulação, conhecida como gaslighting, faz com que a mulher duvide de suas próprias percepções e da sua memória, o que acaba por comprometer sua capacidade de confiar em si mesma e em suas interpretações da realidade.
O gaslighting é uma ferramenta poderosa que cria confusão e desorientação mental, levando a vítima a acreditar que suas falhas são maiores do que realmente são e que o problema está inteiramente em seu comportamento.
Frases como “Eu devo estar exagerando” ou “Talvez eu esteja realmente errada” ecoam na mente dessas mulheres, fortalecendo ainda mais a dependência emocional em relação ao parceiro abusivo e reduzindo sua capacidade de reagir.
A baixa autoestima é outro elemento-chave que contribui para a perpetuação de relações abusivas entre mulheres com TDAH.
Desde a infância, muitas dessas mulheres são marcadas por comentários negativos a respeito de sua capacidade de organização, de atenção e de realização.
Elas frequentemente crescem se sentindo inadequadas e incapazes de corresponder às expectativas da família, da escola, e posteriormente, da sociedade em geral.
Estudos indicam que uma criança com TDAH de doze anos já ouviu vinte mil vezes mais recriminações que outra sem o mesmo transtorno.
Essa sensação de inadequação muitas vezes as acompanha até a idade adulta, dificultando a construção de uma autoestima saudável e tornando-as mais suscetíveis à invalidação constante nos relacionamentos.
Parceiros abusivos exploram esse ponto frágil, reforçando a crença de que essas mulheres não são boas o suficiente e que a falha no relacionamento se deve à sua incapacidade de corresponder às expectativas.
Além disso, a sobrecarga emocional e mental associada ao TDAH aumenta a dificuldade em lidar com as demandas cotidianas, especialmente em um ambiente abusivo.
Mulheres com TDAH precisam despender mais energia para organizar suas tarefas e gerenciar suas responsabilidades, e em um contexto de abuso, essa energia é constantemente drenada pela necessidade de se proteger de críticas, agressões e manipulações emocionais.
Essa sobrecarga leva ao esgotamento, que muitas vezes é confundido com falta de esforço ou desinteresse, o que reforça ainda mais a narrativa abusiva e o sentimento de fracasso.
Para muitas mulheres com TDAH, a maternidade traz desafios adicionais.
As expectativas em torno da maternidade são extremamente altas, e para mulheres com dificuldades de atenção e organização, essas expectativas podem parecer impossíveis de serem alcançadas.
Muitas vezes, elas são criticadas por não conseguirem manter a casa organizada, por esquecerem compromissos dos filhos, ou por se sentirem sobrecarregadas.
Em um relacionamento abusivo, essas críticas se tornam armas poderosas para invalidá-las como mães e parceiras, aprofundando a sensação de culpa e inadequação.
A maternidade, que poderia ser uma fonte de realização pessoal, transforma-se em mais um elemento de pressão, onde a constante tentativa de ser “boa o suficiente” alimenta um ciclo de frustração e esgotamento.
Outro agravante é a banalização do TDAH na sociedade é um problema que dificulta ainda mais a situação das mulheres que enfrentam relacionamentos abusivos.
O diagnóstico precoce do TDAH & mais qualidade de vida
Muitas vezes, o TDAH é reduzido a uma mera questão de falta de disciplina ou preguiça, e os sintomas são vistos como defeitos de caráter, em vez de manifestações de um transtorno neurobiológico.
Esse tipo de banalização contribui para o preconceito e a psicofobia, que é a discriminação contra pessoas com transtornos mentais.
A psicofobia faz com que muitas mulheres hesitem em buscar um diagnóstico ou tratamento, por medo de serem rotuladas ou julgadas.
Essa negação do diagnóstico ou a falta de apoio adequado pode agravar ainda mais os sintomas do TDAH e levar a um maior isolamento e vulnerabilidade.
O preconceito também pode se manifestar de forma sutil, por meio de comentários como “todo mundo é um pouco distraído” ou “isso é só falta de foco”.
Essas atitudes deslegitimam a experiência das mulheres com TDAH e fazem com que elas se sintam menos propensas a buscar ajuda.
Quando o diagnóstico é negado ou visto como irrelevante, as mulheres perdem a oportunidade de entender melhor suas próprias limitações e de acessar tratamentos que poderiam melhorar significativamente sua qualidade de vida.
Negar o diagnóstico é negar a essas mulheres a chance de se reconhecerem, de se perdoarem e de compreenderem que os desafios que enfrentam não são falhas pessoais, mas sim parte de um transtorno que pode ser tratado e gerido.
A negação do TDAH também contribui para a perpetuação dos ciclos abusivos.
Sem o reconhecimento dos sintomas e sem tratamento, essas mulheres não desenvolvem as ferramentas necessárias para lidar com a disforia sensível à rejeição, a miopia temporal e outras características do transtorno que as tornam vulneráveis ao abuso.
O diagnóstico e o tratamento são fundamentais não apenas para melhorar a capacidade de lidar com os desafios do cotidiano, mas também para proporcionar uma compreensão mais clara dos limites e capacidades pessoais, fortalecendo a autoestima e a resiliência frente a relações abusivas.
O reconhecimento do impacto do TDAH na dinâmica dos relacionamentos e na vulnerabilidade a abusos é fundamental para a elaboração de estratégias de apoio e intervenção.
O tratamento adequado do TDAH, que pode incluir tanto intervenções medicamentosas quanto psicoterapias, é essencial para melhorar a qualidade de vida dessas mulheres e romper com o ciclo abusivo.
Estratégias de apoio e tratamento para mulheres com TDAH em relacionamentos abusivos
Terapias que integram o manejo dos sintomas do TDAH e o trabalho com traumas de relacionamentos abusivos são especialmente eficazes.
A terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, pode ajudar a reconstruir a autoestima, desenvolver estratégias para lidar com a DSR e melhorar a capacidade de planejamento, reduzindo a miopia temporal.
Outro aspecto fundamental é o suporte social. Mulheres com TDAH em relacionamentos abusivos frequentemente se encontram isoladas, seja por causa do controle do parceiro, seja pela própria sensação de vergonha e inadequação.
Grupos de apoio, psicoterapia de grupos, redes de mulheres e comunidades que compreendem o TDAH podem oferecer um espaço seguro para compartilhar experiências e quebrar o isolamento.
A troca de experiências permite que essas mulheres percebam que não estão sozinhas e que os desafios que enfrentam são comuns a muitas outras pessoas na mesma situação.
Esse senso de pertencimento e apoio pode ser um fator decisivo para que elas encontrem forças para buscar mudanças.
É igualmente importante que profissionais de saúde sejam capacitados para identificar os sinais do TDAH e as possíveis dinâmicas abusivas em que suas pacientes possam estar envolvidas.
O diagnóstico precoce do TDAH e a orientação adequada sobre os sintomas podem ajudar as mulheres a compreenderem melhor suas próprias limitações e a buscarem estratégias mais eficazes de enfrentamento.
Além disso, reconhecer os sinais de abuso e saber como oferecer apoio são passos fundamentais para empoderar essas mulheres e ajudá-las a sair de relacionamentos prejudiciais.
O caminho para a recuperação e o bem-estar de mulheres com TDAH que vivenciam relacionamentos abusivos não é fácil, mas é possível.
É necessário um esforço conjunto que envolve tratamento especializado, suporte social e uma mudança de perspectiva sobre o TDAH e sobre o papel da mulher nos relacionamentos.
O empoderamento dessas mulheres passa pela conscientização de que o TDAH não define seu valor e que nenhuma forma de abuso é justificável.
A educação sobre o transtorno e a desconstrução de estigmas são passos fundamentais para que essas mulheres possam finalmente se libertar das amarras do abuso e viver de forma plena e autêntica.
Referências:
- Pacheco e Silva, A. C. (2019). Terapia Cognitivo-Comportamental no TDAH Adulto: Abordagem Integrativa e Psicossocial.
- Barkley, R. A. (2019). Assumindo o Controle do TDAH: Guia Completo para Pais.
- Silva, G. M. (2018). É Você, Eu, ou o TDAH Adulto? Superando os Desafios dos Relacionamentos com Alguém com Déficit de Atenção.
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