No final de janeiro, foi noticiado um crime em família em São Bernardo do Campo/SP: pai, mãe e filho adolescente encontrados carbonizados no porta-malas de um carro abandonado no limite entre São Bernardo e Santo André. Na madrugada do dia 28/01/2020 a polícia encontrou o veículo incendiado e os três corpos por volta das 2:30 h.

Entre investigações e depoimentos das testemunhas e pessoas envolvidas, a polícia aponta como suspeitas a filha do casal, Ana Flávia, e sua namorada Carina, como mentoras do crime. As duas trouxeram pessoas para ajudá-las no crime, que confessaram participação.

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Houve coação das vítimas para fornecerem a senha do cofre que estava na residência, porque as suspeitas queriam o montante de R$ 85.000,00.

As investigações ainda estão em andamento, mas apontam para o interesse das duas em ficarem com essa quantia e a herança do patrimônio, com o falecimento dos pais e do irmão de Ana Flávia.

Primeiramente se pensava que o conflito na família seria decorrente da relação homoafetiva de Ana Flávia; mas outros parentes afirmaram que não havia problemas nisso, uma vez que Ana Flávia já havia sido casada em união homoafetiva anterior.

Os conflitos eram por causa da personalidade de Carina: ciumenta, dominadora, controlava Ana Flávia, queria se intrometer em tudo, chegou a usar o carro de Ana Flávia.

Sem intenção de fazer qualquer juízo de valor, observamos que os conflitos familiares vieram de problemas no relacionamento da filha com a namorada, e interesse financeiro.

Quando existe ciúme e desejo de controlar o(a) parceiro(a), a relação tende à despersonalização daquele(a) que se sente subjugado(a) e oprimido(a) pelo(a) ciumento(a).

O ciumento fica a todo instante tentando achar ‘provas’ de traição, ou então fica restringindo os movimentos do(a) parceiro(a) para evitar se sentir traído(a).

Se a relação dominante-dominado não se ‘fecha’ (quando o(a) dominado(a) não aceita a imposição do(a) dominante), a tendência é a ocorrência do assédio (stalker), até os crimes passionais (e estamos vendo casos de feminicídio diariamente, quando a mulher não quer mais manter a relação com o companheiro/marido ciumento e possessivo).

Porém, quando essa relação dominante-dominado se ‘fecha’, ocorre um vínculo simbiótico entre ambos, perdem a individualidade, os dois se fundem em um só, mas sempre com um polo ‘que manda’ e o outro passivo.

É o que sugerem as evidências, no caso de Ana Flávia e Carina: que Carina seria ciumenta, possessiva, e possivelmente deve ter arquitetado a maior parte dos planos do crime, subsidiada por Ana Flávia.

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Por vezes, os pais procuram aconselhar os filhos sobre o tipo de relacionamento que estão tendo (com amigos, colegas, companheiro(a)), mas nem sempre são escutados.

Claro que existem pais que se intrometem demais nos relacionamentos dos filhos (como incutir por transferência os seus próprios preconceitos raciais no filho quando começam a namorar pessoa de outra ‘raça’), mas existem casos de pais que estão observando que a relação do filho está ficando doentia e problemática, tentam orientar e aconselhar, mas nem sempre são levados em consideração.

As brigas se intensificam, os ânimos se exaltam. É fácil terminar em alguma tragédia. Foi o que aconteceu também no caso da Suzanne Von Richtoffen, que segundo a imprensa, planejou o assassinato dos pais porque ele não aceitavam o namoro dela, rica e culta, com Daniel Cravinhos, mais humilde e menos culto.

Outro aspecto que chama a atenção é patrimonial. Assim como no caso Von Richtoffen, em que os criminosos tentaram simular um latrocínio para afastar a suspeita sobre Suzanne, no caso de São Bernardo houve uma tentativa de latrocínio do valor que Ana Flávia e Carina achavam que havia no cofre.

Mas como não conseguiram encontrar o dinheiro, mandaram o envolvido dar golpes na cabeça do pai e irmão de Ana Flávia, colocando-os no porta-malas do Jeep Compass, e levaram a mãe com olhos vendados no mesmo veículo até o local onde também foi colocada no porta-malas e o veículo foi incendiado e abandonado na divisa dos dois municípios.

A diferença é que Suzanne já era rica, vivia como ‘princesa’, tinha tudo o que quisesse, e não tentou matar o irmão Andreas (embora, mais tarde, para se livrar das acusações, até tentou imputar culpa nele pelo assassinato dos pais, alegando que foi ele quem planejou o crime para ficar com a herança!).

O objetivo maior de Suzanne era ficar com o namorado Daniel, a questão financeira seria secundária ali. As investigações ainda em andamento apontam que Ana Flávia efetivamente mandou matar o irmão também, para ficar sozinha com a herança e viver com a namorada Carina.

Penso que, mesmo que o crime nunca fosse descoberto e elas tivessem o ‘desejado final feliz’ (o que seria impossível), logo a relação das duas iria se desgastar, seja pela nocividade da vinculação simbiótica doentia, seja por disputas financeiras e patrimoniais.

Dois motivos principais para brigas em família: relacionamentos e dinheiro

Combinação ‘fatal’ para desagregação familiar, conflitos de interesses, rivalidades. Eu já ouvi: “Quer destruir um relacionamento? Coloque dinheiro em cima da mesa!”: os interesses pessoais se sobrepõem, esquecemos dos demais, não existem mais vínculos nem acordos.

O diálogo, a expressão dos afetos, o companheirismo entre pais e filhos, valores morais (e, em alguns casos, religiosos também), estão se perdendo.
Muitas tragédias poderiam ser evitadas, com mais compreensão, paciência, diálogos, atenção entre pais e filhos.

Afinal, o dinheiro pode acabar, o patrimônio pode ruir, os projetos podem ser abandonados, mas o que nunca se perde são os ensinamentos, valores e princípios que aprendemos em família.

Talvez esses casos sirvam para nos fazer refletir e reavaliar nossos padrões de interação com nossos pais, filhos, irmãos… para que não se repitam outras tragédias como essas… Quero que esse seja o único artigo desse tipo de assunto.

Boas reflexões, e nos vemos em breve!

Referências Bibliográficas:

HENRIQUE, A. Veja cronologia do assassinato de família no ABC. Agora São Paulo, 31 jan. 2020.

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HENRIQUE, A. Namorada da filha de casal carbonizado é controladora e ciumenta, dizem comerciantes. Agora São Paulo, 31 jan. 2020.

LIMA, C.; BERTONI, F.F. Caso Richtoffen. Ciências Criminais, 2016.

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