Olá a todos!
Neste artigo vamos abordar um tema pouco explorado, porque ainda é ‘tabu’ nas relações familiares: a miscigenação entre brancos e negros na sociedade brasileira.
Para isso, vamos tratar de algumas premissas da Psicanálise para falar da forma inconsciente com que ‘brancos’ e ‘negros’ se escolhem mutuamente.
Somos um país miscigenado, mas ainda assim essa forma de escolha conjugal continua enfrentando desafios e por vezes até hostilizações sociais.
A Psicanálise aponta que, no caso dos negros que desejam se unir a brancos, existiria uma manifestação de Ideal do Ego, um desejo de ‘embranquecimento’, de que a união com o branco irá fazer ‘desaparecer’ as características negras e assim o sujeito negro será aceito socialmente.
Nesse sentido, é uma assimilação das teorias de hierarquização racial que consideravam a miscigenação uma forma de ‘degeneração da raça’ – a mistura com o negro ‘degradaria’ a espécie humana; a miscigenação só era aceitável se fosse com brancos, para o ‘embranquecimento’ e assim ‘pureza’ da espécie humana.
Embora desacreditadas há muito tempo, ainda permeiam o inconsciente social brasileiro, e até hoje vemos manifestações de negros que negam suas características e ‘querem ser brancos’, e uma das vias que acreditam para atingir esse objetivo é através do casamento com branco(a).
No caso dos brancos que se unem aos negros, existiria uma fantasia de atração pelo ‘diferente’, pelo ‘exótico’, principalmente em termos da sexualidade, que comumente é tida como elevada na raça negra.
Em grupos sociais mais íntimos e caracterizados pelo afeto, como as famílias, os negros que se casam com brancos nem sempre são acolhidos com respeito.
Membros da família branca podem manifestar dificuldades em aceitar aquele(a) cônjuge negro(a) do seu(sua) filho(a) e questionam qual será o futuro dos eventuais filhos que esse casal tenha.
Por vezes não aceitam nem as motivações daquele(a) filho(a) em escolher justamente o(a) parceiro(a) de outra ‘raça’, considerada ‘inferior’.
Por sua vez, nem sempre o contingente demográfico pode ser suficiente para explicar por que indivíduos de ‘raças’ diferentes se aproximam para enamoramento e convivência marital.
Também existem mecanismos inconscientes na escolha do cônjuge
A Psicanálise estabelece que a escolha amorosa, embora direcionada ao outro, é uma escolha narcísica, de ‘amor a si mesmo projetado no outro’.
Ou seja, tendemos a buscar parceiros semelhantes a nós mesmos sob diversos critérios (idade, temperamento, nível educacional), inclusive fisicamente.
Por esse motivo, pessoas que escolhem parceiros sexuais, inclusive com o intuito de convivência estável (por exemplo, casamento), com características físicas tão diferentes das próprias, poderiam ser motivadas por outros fatores que não as escolhas narcísicas apontadas pela Psicanálise.
É comum ouvirmos pessoas afirmarem que ‘não são racistas’, ‘até aceitariam ter um(a) amigo(a) negro(a)’, ‘têm que conviver com colegas negros no ambiente de trabalho’, mas desde que esse(a) ‘colega’ seja um subalterno, não admitem que esse(a) ‘colega’ seja um chefe.
Do mesmo modo, pessoas comumente afirmam que ‘não existe racismo no Brasil’, mas não aceitariam que seu(sua) filho(a) se case com um(a) negro(a).
Por vezes, podem sentir angústia diante do questionamento social se forem vistos com crianças ‘escuras’, se são adotados, se não são filhos do(a) seu(sua) filho(a) porque a cor é mais escura etc.
Vivemos uma sociedade em que as pessoas se autodeclaram pertencentes a determinada ‘raça’ (ou ‘cor’), e que ‘todos são iguais, não há distinção de raças, vivemos em uma democracia racial, onde as oportunidades são iguais para brancos e negros’.
Com esse raciocínio, procura-se embasar a diversidade de fenótipos e características físicas da população brasileira.
Desde 2010 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) precisou incluir o critério ‘cor/raça’ nos recenseamentos e coleta de dados, e os movimentos sociais e as ações afirmativas (ainda que sob diversas críticas, porque setores da sociedade afirmam que não são necessárias pois ‘não há racismo no Brasil’) procuram equalizar as defasagens educacionais e econômicas dos negros no Brasil.
O termo ‘raça’ sempre foi usado como critério para diferenciar – e discriminar – indivíduos ou grupos e, embora contestado biologicamente, frequentemente embasa demonstrações, mais ou menos explícitas, de uma pretensa (no sentido de fictícia, arrogante) ‘supremacia racial branca’ mediante diversos mecanismos sociais, institucionais e políticos que tentam ‘legitimar’ essa posição privilegiada, relacionando-a ao desenvolvimento cultural, científico, econômico e político.
Nesse sentido, a presença de negros em determinados grupos sociais, como escolas e ambientes de trabalho, ainda é vista com resistência pelos brancos e desconfiança quanto à capacidade dos negros.
Importante também esclarecer que as categorias ‘cor’ e ‘raça’ estão sendo utilizadas aqui como construções históricas, culturais e sociológicas (não biológicas) classificações existentes na sociedade brasileira.
Entende-se também que a expressão ‘hierarquia racial’ é uma ideologia cuja difusão depende de fatores históricos e culturais complexos.
Mas podemos afirmar que sempre, em todas as relações interraciais familiares entre brancos e negros, ocorrem esses processos psíquicos inconscientes?
É possível existirem casos em que cada um dos parceiros deseja estar com o outro pelas suas próprias características inerentes, pelo projeto de vida em comum, mesmo superando os desafios da rejeição familiar e social, sem que seja para compensar carências afetivas inconscientes?
Estão ambos os parceiros preparados para enfrentar os desafios desse tipo de relação?
Este será o tema da minha Tese de Doutorado, que ainda estou escrevendo, para possível ingresso quando a UNISA (Universidade Santo Amaro) conseguir ter o seu primeiro Programa de Doutorado, ou alguma outra Instituição de Ensino Superior.
A amostra consistirá em 05 (cinco) casais heterossexuais em que um dos cônjuges se declare ‘branco’ e o outro se declare ‘negro’ ou ‘pardo’, conviventes há pelo menos 1 (um) ano, que ainda estejam juntos, com ou sem filhos (se tiverem filhos, ou planejam ter filhos, biológicos ou adotados, devem ser do próprio casal, ou de pelo menos um dos cônjuges), sem especificações de idade, camada social ou escolaridade.
A pesquisa ocorre na cidade de São Paulo, inicialmente de forma conjunta com o casal, sendo que a quantidade de entrevistas não é definida previamente, realizando-se quantas forem necessárias para a obtenção dos objetivos, observadas as circunstâncias.
Excluem-se da amostra os viúvos(as) ou não conviventes com o(a) cônjuge no momento da entrevista, bem como os pares homoafetivos pois este aspecto não será abordado na presente pesquisa.
Os participantes deverão assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (elaborado em conformidade com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (que revogou a Resolução nº 196/1996, também do Conselho Nacional de Saúde (CNS)), e estão cientes de que as entrevistas serão gravadas.
Pretende-se entrevistar cada casal uma única vez, mas há a possibilidade de se entrevistar um ou mais casais em mais de uma oportunidade, ou mesmo entrevistas individuais, conforme circunstâncias necessárias, procurando causar o mínimo de incômodo ou interferência na rotina do casal ou família.
Como objetivos específicos, a pesquisa se proporá a elencar os aspectos psicológicos e psicanalíticos subjacentes ao comportamento de escolha do cônjuge em qualquer contexto, bem como discutir as teorias que envolvem a miscigenação racial no Brasil e sua possível influência na escolha amorosa inter racial.
Mais especificamente no contexto das uniões interraciais, a pesquisa pretende analisar as razões sociais, afetivas e sociais que norteiam os relacionamentos conjugais entre brancos e negros/pardos, em termos de valores e representações sociais que permeiam esse tipo de relação.
A metodologia utilizada será a Análise do Discurso (AD) sob abordagem psicanalítica, entendida aqui como uma vertente da linguística que se ocupa em estudar o discurso e como tal, evidencia a relação entre língua, discurso e ideologia.
Essa análise ocorrerá na interface com a Psicanálise e com as representações sociais da Psicologia Social.
No caso da presente pesquisa, trata-se de uma entrevista semi-estruturada, com algumas perguntas-padrão comuns a ambos os cônjuges (descritas no Questionário) e a todos os casais participantes, e algumas perguntas que podem surgir espontaneamente, ao longo da conversa.
A proposta é oferecer aos casais participantes a oportunidade de uma escuta e expressão do motivo que os mobilizaram a se escolherem mutuamente, e também como pensam, sentem e vivem essas relações, histórias de vida, dramas, alegrias, desafios e superações.
A pesquisa tem como justificativa o fato de que as pesquisas acerca do tema dos ‘casamentos interraciais’ se concentram nos aspectos sociológicos e econômicos (questões como a ascensão social, ou a disponibilidade de parceiros das diferenças ‘raças’, por exemplo.
Mas não investigam os aspectos psicológicos na escolha do(a) cônjuge de outra ‘raça’ por critérios que confrontam os paradigmas psicanalíticos da escolha pelo ‘narcisismo primário’, ou pela ‘identificação com o(a) genitor(a) do mesmo sexo’ ou o desejo inconsciente de ‘embranquecimento’ da descendência.
Se a escolha do parceiro amoroso, embora direcionado ao outro, é uma escolha narcísica (escolher alguém semelhante a si), a escolha de cônjuges ou parceiros sexuais com características físicas tão diferentes das próprias significa necessariamente a ‘negação de sua raça’, um ‘desejo de embranquecimento’, uma necessidade de ser aceito(a) socialmente como ‘branco(a)’?
E o(a) ‘branco(a)’ estaria necessariamente buscando experiências exóticas na relação com o(a) negro(a) ou alguma intenção de ‘macular a pureza branca’?
A hipótese de investigação é a de que existem casais entre brancos e negros/pardos que se escolhem reciprocamente de forma consciente, pelas suas próprias características raciais inerentes, que não buscam no outro a compensação de carências afetivas inconscientes.
Mesmo enfrentando os obstáculos e desafios que os demais membros da família e a sociedade em geral vão impor àquela união, pelas dificuldades de aceitação das relações interraciais.
As configurações familiares trazem novos desafios à Psicologia que estuda os relacionamentos humanos.
A importância de se estudar e compreender os mecanismos inconscientes afetivos que levam pessoas a escolherem cônjuges de ‘raças’ diferentes auxilia no desenvolvimento das Ciências Humanas e Sociais que se dedicam ao movimento dos sujeitos em direção à sua felicidade, realização pessoal e sexual, tolerância e aceitação do ‘outro’ sem preconceitos, liberdade de escolha e, sobretudo, pleno exercício da cidadania.
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