Olá a todos!

O Direito, como muitas ciências humanas, não pode ser absoluto; sempre precisa da comunicação com outras saberes para poder acompanhar de maneira mais fidedignas a realidade da sociedade.

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Assim, busca conceitos da Medicina, da Criminologia, da Sociologia, da Filosofia, da Política e, como mais intensidade nos últimos tempos, vem buscando amparo da Psicologia para complementar sua compreensão acerca do comportamento humano.

As leis existem para normatizar as relações humanas. Mas, no caso do Direito de Família, as relações são permeadas de afetos, desejos, sentimentos, interesses, vontades e motivações que não estão no âmbito de aplicação do Direito e, sim, abrangidas pela Psicologia.

Há questões importantíssimas que não estão somente na ordem da subjetividade, mas também na da subjetividade, E os afetos, desejos, sentimentos e vontades passam também pelo campo do inconsciente.

Portanto, mesmo que se considere o casamento (ou união) como um contrato (negócio jurídico), ou uma discussão familiar por questões de pensão alimentícia como tal, é preciso que haja uma escuta por trás desse discurso que fale de afetos, (re-)sentimentos, angústias, conflitos…

É nesse sentido que a Psicologia se apresenta como uma importância Ciência para auxiliar na compreensão do comportamento humano, nas relações de família.

Quais são as motivações para que aquele casal deseje se unir? E o que está acontecendo com a separação? Os ex-cônjuges vão constituir novas famílias? Como será o relacionamento entre os novos e os antigos membros da família?

Para isso, tornam-se extremamente úteis o estudo e a análise pelo profissional psicólogo, que pode trazer a leitura da linguagem verbal e não-verbal, consciente e inconsciente dos membros da família e, assim, compreender o contexto familiar envolvido na questão trazida ao litígio.

Fragmentos da relação

Freud (1915) afirma que a gênese de todo enamoramento é essencialmente narcísica: o amor consiste em supor o ideal de si mesmo no outro para completar o que falta no indivíduo até chegar ao ideal sonhado.

Por isto se diz, popularmente, que o que se ama no outro é a sua própria carência. No amor, o indivíduo promete dar ao outro o que não tem e, nesse ato, ele se faz objeto do seu próprio desejo.

Passando do enamoramento à paixão, chega-se ao conjúgio, que costuma transformar o ideal sonhado em pesadelo. Com a convivência rotineira do casamento/união, a paixão não encobre mais os defeitos do outro, e cada um se depara com uma realidade muito diferente daquela idealizada.

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Cada um dos cônjuges acredita que foi ‘enganado’ pelo outro, que o casamento ‘foi uma farsa’… e, como não têm a capacidade de lidar diretamente com os próprios conflitos, transferem a responsabilidade para o Judiciário.

O juiz, nesse contexto, é visto como o Grande Pai, aquele que vai impor a ordem e decidir o destino das pessoas; mas aí ele transfere uma parte dessa responsabilidade ao psicólogo, que tem a função de interpretar essa linguagem emocional que permeia o litígio, e transformá-la em elementos que, trazidos à consciência das pessoas, pode ajudá-las a compreender por si mesmas os aspectos psicológicos até então desconhecidos, e elaborar de forma mais amadurecida seus conflitos.

Nem sempre isso é fácil, mas é necessário para o pleno desenvolvimento de todos os membros da família, principalmente dos filhos, além da otimização das relações familiares atuais e futuras.

Não se pode nunca esquecer que, em um litígio de casal, não existe um ‘vitorioso’. Sempre há ‘vencidos’ de ambos os lados, além do inexorável vazio da falta. Mas contra isso não há remédio.

Se a separação é mesmo o único recurso, então que seja como um processo de libertação, jamais como uma forma de destruir o outro. São muito comuns sentimentos de desprezo, ódio, vingança pelo outro e minimização da relação como mecanismos de defesa para suportar a privação, mas não defesas neuróticas, que não trazem benefício para ninguém.

E, além disso, não se pode esquecer da presença dos filhos – esses são os maiores prejudicados quando os pais tentam se denegrir mutuamente, sentem-se desamparados, esquecidos, abandonados…

Muito se fala em violência doméstica, mas se esquece que isso também é uma forma de violência doméstica: a destruição dos vínculos parentais.

A importância dos vínculos parentais

Nos processos judiciais de divórcio/dissolução de união estável envolvendo questões de guarda de filhos, é comum que o genitor não-guardião (geralmente, o pai) se queixe de que o genitor guardião (em geral, a mãe) dificulta ou impede as visitas dele aos filhos, sob as mais variadas alegações.

A partir daí, o comportamento do(s) filho(s) se altera, passando do amor, saudade, carinho e companheirismo para a aversão total, sem que tenha havido algum acontecimento real que motivasse tal mudança. Quando isso acontece, instaura-se um fenômeno previsto na Lei nº 12.318/2010, conhecido como Atos de Alienação Parental.

Os atos de Alienação Parental podem ser praticados por um dos genitores contra o outro, ou por ambos, ou por terceiros que tenham a criança sob sua autoridade, guarda ou vigilância.

Pode ser praticada por avós, tios, padrasto/madrasta, qualquer pessoa com interesse negativo em afastar a criança do(a) outro(a) genitor(a), e existe um rol exemplificativos de atos elencado nos incisos I a VII do artigo 2º da referida lei.

Por um lado, esse comportamento demonstra a psicopatologia gravíssima do(a) genitor(a) alienador(a) que, como será visto adiante, utiliza-se de todos os meios, até mesmo ilícitos e inescrupulosos (como acusar o outro falsamente de abuso sexual, por exemplo), para atingir seu intento; por outro lado, o ciclo se fecha quando essa influência emocional começa a fazer com que a criança modifique seu comportamento, sentimentos e opiniões acerca daquele(a) outro(a) genitor(a)-alvo.

Nesse processo, ocorrem graus de ambivalência de sentimentos; a criança sente que precisa afastar-se daquele(a) genitor(a) para não desagradar o(a) outro(a) que tem opiniões negativas a respeito daquele(a), mas também se sente culpada por isso.

Aos poucos essa ambivalência vai diminuindo, e a própria criança contribui para o afastamento. O termo ‘síndrome de alienação parental’ ainda é objeto de muita discussão, mas designa uma série imprevisível de sintomas que a criança pode vir a manifestar em decorrência dessa alteração emocional influenciada pelo(a) alienador(a). Serão necessários recursos de intervenção profissional para deter sua ação e reverter seus efeitos.

Os atos de Alienação Parental se tornam um sério entrave às vinculações parentais justamente porque condicionam a criança/adolescente a formar ações, sentimentos e comportamentos contra o(a) outro(a) genitor(a) diferentes do que havia antes.

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Para isso, não há critérios éticos ou morais para induzir a criança a relatar episódios de agressão física/sexual que não ocorreram, culpar aquele(a) genitor(a) por comportamentos automutilatórios, confundindo-a na noção de realidade/fantasia, forçando-a a encenar sentimentos e simular reações.

A curto prazo, para sobreviver, a criança aprende a manipular, tornando-se prematuramente ‘esperta’ para decifrar o ambiente emocional, falar apenas uma parte da verdade e, por fim, enredar-se em mentiras, discursos e comportamentos repetitivos e obsessivos, exprimindo emoções falsas.

A médio e longo prazo, os efeitos podem ser: depressão crônica, incapacidade de se adaptar aos ambientes sociais, transtornos de identidade e de imagem, desespero, tendência ao isolamento, comportamento hostil, falta de organização, consumo de álcool e/ou drogas e, em casos extremos, tentativas ou consumação de suicídio e outros transtornos psiquiátricos.

Podem ocorrer também sentimentos incontroláveis de culpa quando, mais tarde, constatar que foi cúmplice inconsciente de uma grande injustiça ao(à) genitor(a)-alvo da alienação.

Em geral, para evitar esse efeitos, a família deve procurar um profissional que conheça a Alienação Parental, suas origens e consequências, e o modo como combatê-la, e intervir o mais rapidamente possível para que seus efeitos não seja irreversíveis.

É possível recorrer à Mediação Familiar e outros métodos terapêuticos, como as Constelações Familiares, se o psicólogo constatar por meio da sua avaliação, que nenhum dos dois genitores representa risco para os filhos; porém se houver ameaça de risco, devem-se tomar as medidas mais rígidas (previstas no artigo 6º da referida Lei nº 12.318/2010).

Vida em família hoje

Nos tempos atuais, a configuração de família se transformou consideravelmente e, hoje, não se contempla mais somente aquele modelo tradicional: pai, mãe e filhos. Como a própria legislação ampliou o conceito de família, temos nós também que ampliar nossa ideia de relações e vínculos familiares.

A complexidade das relações pode permitir uma variabilidade maior de relacionamentos da criança com os atuais e novos membros da família, o que pode lhe proporcionar uma ampla gama de experiências.

Por isso, não se concebe mais a exclusão e o isolamento das crianças em relação à família de origem, a pretexto de estarem inseridas em novas relações familiares: quanto mais vivências as crianças puderem experimentar, mantendo suas raízes, tanto mais amadurecidas estarão para lidar com as situações cotidianas; se estiverem isoladas, não saberão lidar com as transformações e permanências.

Por tudo isso, cabe também uma palavra importante acerca da guarda compartilhada, como forma de preservação dos vínculos familiares: exige amadurecimento e diálogo por parte dos pais, bem como recursos internos para prover as necessidades afetivas das crianças após a separação.

Importante: não exige consenso entre os pais. NÃO É O CONSENSO QUE LEVA À GUARDA COMPARTILHADA: É A GUARDA COMPARTILHADA QUE LEVA AO CONSENSO.

É possível observar que, quando aplicada, o desenvolvimento psicológico das crianças é muito maior do que aquelas que crescem tendo contatos esporádicos com o(a) outro(a) pai/mãe, e ainda mais se comparando àquelas que perderam totalmente o contato com o(a) outro(a) pai/mãe após a separação.

A criança que vive sob a égide da Guarda Compartilhada apresenta maior capacidade de estruturação de vínculos, porque se sente mais segura com a permanência, o que lhe garante uma base importantíssima para o desenvolvimento psicológico futuro. É fundamental pensarmos nisso.

Referências Bibliográficas:

DOLTO, F. Quando os pais se separam. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In:__. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, v. XIV, p. 85-119, 1915/1974.

GROENINGA, G.C.; PEREIRA, R.C. (org.). Direito de Família e Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica no Processo Civil Brasileiro. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2019 (vol. 01 e 02).

SILVA, D.M.P. Mediação e Guarda Compartilhada – conquistas para a família. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2018.

Leis nº 12.318/2010 (Alienação Parental), e 11.698/2008 e 13.058/2014 (Guarda Compartilhada).

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