Recentemente, assisti ao filme “O sétimo selo”, do diretor sueco Ingmar Bergman. Não farei spoilers sobre o longa metragem, apenas me atentarei a um dos assuntos abordados, que é  a negação da própria finitude.

Primeiramente, a ideia da morte como um ser real é brilhante. No Psicodrama, a técnica da concretização é muito utilizada para dar forma a sentimentos ou questões abstratas que o paciente não consegue verbalizar de maneira eficaz.

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Uma vez que essa dificuldade é concretizada em um objeto, desenho ou pessoa, há uma maior facilidade para descrever a sensação causada.

Logo, representar a morte como uma pessoa comum torna visível o que temos dificuldade em enxergar ao longo da vida: não somos eternos.

O excelente diálogo de abertura já evidencia a inabilidade que temos em lidar com nossa efêmera existência.

Já no início, vemos o encontro da morte com Antonius Block, um cavaleiro que acaba de retornar das Cruzadas e encontra seu país de origem devastado pela peste.

Surpreso, o cavaleiro indaga-a sobre o motivo da visita. A morte, por sua vez, responde que sempre esteve por perto e dessa vez veio buscá-lo.

Block sugere uma partida de xadrez; se ele ganhar, continua vivo; se a morte ganhar, ele aceita seu destino. A morte concorda e sabiamente afirma que nunca perde esse desafio.

Conforme mencionei acima, não discorrerei sobre os acontecimentos seguintes, que são igualmente interessantes e com diversos diálogos dignos de nota. Atentemos-nos a essa instigante conversa inicial.

A ideia de andarmos ao lado da morte pode parecer estranha inicialmente. Estar vivo de maneira saudável nos faz pensar que, de certa forma, temos uma blindagem em relação a ela.

Infelizmente, os cuidados com nossa saúde podem diminuir os riscos de falecimento, mas não anulá-los.

Lembro do meu avô, que costuma falar que seu irmão era um homem que tinha bons hábitos alimentares e praticava atividades físicas, mas faleceu repentinamente após sofrer uma queda e bater a cabeça no chão.

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Não quero, com isso, desmotivar o cuidado com a saúde apenas refletir sobre como estamos vulneráveis às adversidades que a vida pode nos proporcionar.

Há, também, um sentimento de meritocracia junto com uma ideia de ser especial. Pensamos, ilusoriamente, que se fizermos as coisas da maneira tida como correta estaremos isentos dos malefícios que o mundo pode nos causar.

Nos surpreendemos quando nos defrontamos com o falecimento de pessoas que consideramos boas enquanto aquelas que julgamos ruins continuam vivas. “Vaso ruim não quebra”! Quem nunca ouviu essa frase?

Não vou tentar aqui diferenciar o que caracteriza uma pessoa como boa ou má, acredito que estamos sempre transitando entre esses dois extremos e em todas as camadas existentes entre eles. Quero apenas ressaltar que para a morte não existem pessoas boas ou ruins. Existem pessoas.

Por outro lado, podemos nos questionar se a beleza de tudo o que admiramos não está relacionada à sua efemeridade. Imagine um filme interessante que durasse horas e horas, ou um final de semana agradável do qual nunca conseguíssemos sair.

Provavelmente, o prazer inicial logo se transformaria em um enorme descontentamento. Pensemos, então, por que seria diferente com a nossa vida?

Acredito que não daríamos o mesmo valor se ela fosse infinita.

Por mais contraditório que seja, passamos boa parte do tempo ignorando a certeza de que vamos morrer, quando é exatamente por ter conhecimento disso que valorizamos o estar vivo.

Evitamos pensar em nossa finitude pela angústia que nos causa, mas, talvez, seja esse temor que nos faça viver. Por mais ausente que esteja, o pensamento da morte está presente. A morte é presente em sua ausência.

Refletir sobre os dias vividos é, paradoxalmente, pensar em dias morridos.

Quanto mais anos vivemos, mais próximos estamos da finitude. Há uma velha pergunta da Filosofia que nos questiona se nascemos ou começamos a morrer. A meu ver, as duas situações coexistem.

A cena inicial do filme que exibe o protagonista jogando xadrez com a morte, é uma excelente metáfora sobre o que fazemos a todo o momento.

Procuramos por momentos de prazer, cuidamos de nossa saúde e nos preservamos quando estamos doentes a fim de adiar o fatídico dia em que seremos surpreendidos com um xeque-mate, mas, como bem disse a morte, ela sempre vence o desafio.

FILME: O SÉTIMO SELO

Origem: Suécia (1957 com relançamento em 2015) Direção: Ingmar Bergman
Elenco: Max von Sydow, Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot
Onde assistir? Telecine

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Comentários

  • Eneida M Paula P Souza
    Responder

    Muito boa reflexão, Rodrigo. Pensar na finitude pode ser angustiante. Por outro lado, é saúdavel, quando
    entendemos que sim, começamos a morrer quando nascemos. Gostei!

    • Rodrigo Xavier Franco
      Responder

      Acredito que o nos move é exatamente o fato de sabermos que vamos morrer. Me lembro do filme “À espera de um milagre”, quando o personagem de Tom Hanks está vivo há mais de cem anos e questiona qual o objetivo de sua vida, já que todas as pessoas que gosta não estão mais vivas. É um paradoxo.

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