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A história da história

Conhecimento do passado é caminho indiscutível para compreendermos a formação histórica da humanidade, e particularmente, a constituição étnica e social brasileira.
A história da história

Estudando os registros da história, entenderemos que a escravidão existiu desde muito tempo e aconteceu sobre várias condições: culturais, religiosas, geográficas, dentre outras.

Ao trazermos a reflexão para a contemporaneidade, destaco a importância do aspecto sócio-cultural, quando, por vezes, nem o próprio indivíduo submetido a condição de escravização se vê como tal, e sistematicamente essa situação é maquiada por mecanismos que camuflam as circunstâncias.

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Quando tomamos conhecimento de notícias de situações onde pessoas são mantidas em condições equivalentes a de sujeição, conforme destaco abaixo:

“Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas. Somente o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem hoje 1,7 mil procedimentos de investigação dessa prática e de aliciamento e tráfico de trabalhadores em andamento. Segundo dados do Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, em 111 dos 267 estabelecimentos fiscalizados em 2019, houve a caracterização da existência dessa prática com 1.054 pessoas resgatadas em situações desse tipo. O levantamento apresentado hoje (28) aponta ainda que, no ano passado, o número de denúncias aumentou, totalizando 1.213 em todo o país, enquanto em 2018 foram 1.127”.

Publicado em 28/01/2020 – 12:15 Por Karine Melo – Repórter da Agência Brasil – Brasília

Ao sabermos que donos de confecções mantem dezenas de costureiras trabalhando por longos períodos em ambientes insalubres, sem luz natural, sem alimentação suficiente, sem lugar para dormir adequado, dormindo e trabalhando no mesmo espaço físico e muitas vezes com seus filhos, tratamos de situação de escravização acontecendo nos dias de hoje.

Sem mencionar as grandes redes de lojas, conhecidas internacionalmente, que sustentam situação de trabalho escravo, quando pagam valores mínimos para pessoas confeccionarem roupas e diversos outros artigos a serem vendidos por altíssimos preços nos mercados internacionais.

Verificamos, também, nítida situação de escravização.

Existem circunstâncias onde pessoas são levadas a tomar decisões por ausência de estrutura econômica, falta de apoio governamental ou por desinformação. Sendo seduzidas por argumentos que quando propostos pareçam minimamente vantajosos.

As situações mencionadas são baseadas em notícias atuais e são fatos denunciados e investigados pelas autoridades competentes. Entretanto, ao estudarmos os registros históricos, verificaremos que escravizar pessoas era usual em muitas culturas. Assim, o que precisa ser verificado é a história da história.

“…a escravidão foi uma prática disseminada em quase todas as sociedades e períodos da história humana. No passado, não fazia distinção de raça, cor da pele, origem étnica ou geográfica. Até o final do século XVII, a maioria dos cativos no mundo era branca – escravizados por brancos, caso dos eslavos de olhos azuis da Crimeia e de outras regiões do Mar Negro capturados pelos tártaros e vendidos aos muçulmanos no Oriente Médio e em outras regiões do Mar Mediterrâneo.”

– Capítulo 10, do livro Escravidão, de Laurentino Gomes.



O que me leva a refletir sobre essa questão é o fato recorrente de escutarmos que: “os negros no continente africano, ajudaram a capturar e escravizar os próprios negros”.

Eu, particularmente, escutei essa fala há bem pouco tempo, vindo de pessoa que, supostamente, deveria ter conhecimento de não ser exatamente assim. É muito simples e raso fazer essa afirmativa.

Enfrentamos duas questões diante de tal afirmação: primeiro, que a falta de conhecimento provoca anacronismo, ou seja, corremos o risco de interpretarmos os fatos em desacordo com a época, ou descontextualizando fatores políticos, geográficos, culturais, religiosos etc. Fato que nos levará a um julgamento equivocado, sem embasamento, raso.

E, em segundo, se aceitamos a afirmação que os próprios negros alimentaram o comércio de seus semelhantes do continente africano para a América, estaríamos desvalidando a importante discussão da existência do racismo e suas consequências.

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Desconsiderando compreender a historia, não seria complicado entender a divergência entre alguns países europeus, no sentido de um pedido de desculpas às nações africanas, pelo comércio de milhões de pessoas durante centenas de anos. Trazidas em condições sub-humanas, nos navios negreiros, para a América.

Não há dúvidas que seja uma dívida histórica. Os europeus estimularam a captura de escravos na África por conta da grande demanda da necessidade de uma mão de obra cativa.

Não se pode admitir que uma interpretação anacrônica leve a conclusões simplistas que justifiquem o comércio de escravos durante tanto tempo.


Além do mais, a situação que perdurou centenas de anos de um comportamento desumano e incompreensível, não pode ser simplificada e relativizada por uma afirmação de que na África já havia cativeiro de pessoas. Que os próprios reis e comandantes das nações praticavam esse comercio.

A história nos revela que sim, isso acontecia, mas não da maneira que costumeiramente nos é contada para justificar a não aceitação que essa pratica foi crime e deverá analisada como tal.

Concluindo essa reflexão, podemos localizar a origem do racismo, que não poder ser justificada com os argumentos pouco convincentes que viemos procurando entender até aqui.

O racismo existe e se trata de uma construção histórica e dolorosa para o povo que atinge. Como nação que pretende se desenvolver plenamente, precisamos olhar para esse grave problema.

Nós, enquanto povo negro, somos atingidos diariamente pelo racismo. Submetidos a uma série de constrangimentos ilegais – racismo é crime – desde a referência que devamos nos conduzir pela entrada de serviço, sermos seguidos nos estabelecimentos comerciais quando seguranças acreditam que iremos roubar, suspeitos e acusados de crimes, e sermos diariamente assassinados, principalmente nossos homens jovens e crianças, por uma polícia despreparada, truculenta e ressentida.

Acabar com o racismo deve ser um movimento de toda sociedade

Movimento pessoal, cultural, político. Pessoal, quando educamos crianças não racistas e assim formaremos adultos não racistas; cultural, quando procuramos entender a construção do racismo, estudando e pesquisando a história da humanidade e a história do Brasil desde o descobrimento de nosso país; político, quando as instituições governamentais trabalhem com boa intenção criando e garantindo o cumprimento, sem exceções, de leis que reprimam ações racistas.

Conhecimento do passado é caminho indiscutível para compreendermos a formação histórica da humanidade, e particularmente, a constituição étnica e social brasileira.

Saber de onde viemos, como e por que fomos trazidos escravizados; quem participou e como se deu o comércio de seres humanos cativos em diversas nações e reinos no continente africano.

Dessa maneira, teremos resposta embasada em dados históricos reais, verdadeiros, sem anacronismo, àquela pergunta que menciono durante essa reflexão: “você sabia que os próprios negros ajudavam na captura e comércio de seus irmãos?

É importante ter esse conhecimento. Assim sendo, esse tema colocado inúmeras vezes de forma tendenciosa e desigual será interpretado com um olhar mais sensível e isento.

Dessa forma, negros ou brancos; americanos, europeus, africanos, ou asiáticos; racistas ou não racistas; acima das diferenças que estruturam a formação cultural do mundo.

Devemos prosseguir na busca de ações assertivas, esquecendo uma história com registros e interpretações equivocados incentivando, estabelecendo e reforçando desigualdades absurdas.

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Só assim caminharemos para constituição de uma sociedade plural, que atenda e suporte todos os seus cidadãos, sem diferenças de oportunidades, sinalizando boas condições de desenvolvimento, cultural, financeiro, social etc, para todos sem distinção.

Indicação de leitura

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Sobre o autor(a)

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Eneida de Paula

Psicóloga Clínica, com especialização em Psicologia e Relações Raciais, pelo AMMA Psique e Negritude. Interesse pelas relações raciais e como o sofrimento apresentado em consequência do racismo.
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