No contexto atual em que vivemos, muito tem sido dito e explorado sobre a importância de respeitarmos o isolamento social, permanecendo em nossas casas, de forma a conter a propagação do coronavírus, além de proteger os grupos de risco e evitar a sobrecarga do nosso sistema de saúde.
Mas será que estamos conseguindo vivenciar este período de isolamento de forma saudável, do ponto de vista emocional?
As repercussões psicológicas dessa questão a longo prazo têm gerado diversas discussões e estudos por parte dos profissionais que atuam no âmbito da saúde mental e da atenção psicossocial.
A atuação clínica tem nos mostrado, ao longo dos anos, uma tendência humana ao individualismo.
Em uma sociedade que cultua a liberdade individual como valor absoluto, estimulando a busca de prazer constante (Garcia e Coutinho, 2004) – algo que constantemente gera frustração, devido à impossibilidade de permanecermos em um estado de constante satisfação.
É possível observar, entretanto, que ao nos depararmos com a obrigatoriedade de permanecer em isolamento (afastados de amigos, familiares e colegas de trabalho), começamos a reconhecer e valorizar a importância da coletividade e das relações interpessoais para a manutenção de nossa saúde psíquica.
Também temos recebido, no ambiente clínico, queixas de pessoas que referem se sentir bem apenas quando estão na companhia de outras, e que quando estão a sós, sentem uma profunda angústia e um enorme vazio existencial.
Com isso, elas buscam preencher este espaço através da realização de inúmeras atividades, ou mesmo, através do consumo desenfreado.
São indivíduos que têm apresentado importante sofrimento e dificuldade de ajustamento ao contexto de restrição das interações sociais, denotando uma falta de intimidade com seu mundo interior.
Em sua obra, o psicanalista inglês D. W. Winnicott (1896 – 1971) descreveu a capacidade de estar só como um dos sinais mais importantes de amadurecimento emocional, pois denota uma confiança em si próprio e no ambiente como suficientemente seguro, acolhedor e adequado à satisfação de nossas necessidades.
Estamos vivendo um momento em que confiar no ambiente torna-se algo extremamente desafiador, visto que estamos lidando com um vírus que se constitui como uma ameaça externa, com alto potencial de nos desestabilizar emocionalmente.
E é por esse motivo que precisamos desenvolver recursos internos para confiar em nós mesmos e em nossa capacidade de adaptação aos desafios que a vida nos impõe.
A capacidade de estar só, segundo Winnicott (1998), é algo paradoxal, pois depende fundamentalmente da experiência satisfatória de “estar só na presença de alguém”.
Ele cita, como exemplo, a capacidade do paciente ficar em silêncio durante a sessão terapêutica, algo que é fundamental para que possa refletir sobre as problemáticas trabalhadas em sessão, tendo à sua frente o psicanalista, que irá dar toda a sustentação para que esse momento silencioso seja vivenciado como período criativo para o paciente.
Para o autor, existe algo que é muito íntimo, particular e sagrado em nosso mundo interno que não é passível de ser comunicado ao outro.
E é a partir da conexão com este elemento, que podemos nos expressar criativamente no mundo.
Essa conexão ocorre de forma mais intensa nos momentos de privacidade, em que podemos estar tanto na presença como na ausência do outro, sendo predominantemente vivenciada como uma relação interna.
Ter a possibilidade de ficar em silêncio, respirar profundamente, observar nossas reações corporais, nossos pensamentos, sentimentos e emoções diante de tudo que nos afeta, sem julgamentos, apenas acolhendo as sensações que surgirem a partir disso.
O momento que estamos vivendo atualmente nos convida a exercitar essa capacidade de entrar em contato com o imenso mundo interior que nos habita, viabilizando períodos de pausa, descanso e reflexão.
Isto pode favorecer o processo de autoconhecimento, auxiliando na avaliação do caminho que temos trilhado até então.
Quem sabe esta não seja uma oportunidade valiosa para nos reinventarmos, descobrirmos potencialidades, desenvolvermos novas habilidades e até mesmo, darmos um novo sentido para a vida?
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