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O aborto, o estupro e o abuso sexual infantil no Brasil

Novo caso gravidez infantil em decorrência de um estupro intrafamiliar.
O aborto, o estupro e o abuso sexual infantil no Brasil

A menina estava grávida de 3 meses de gêmeos, e foi internada em hospital de MG na quarta-feira (20/01/2021) e recebeu alta no dia 21/01/2021 após o procedimento de aborto.

Segundo a delegada que acompanha o caso, o material vai ser recolhido pelo IML (Instituto Médico-Legal) de Governador Valadares e será encaminhado para Belo Horizonte para realização dos exames pertinentes.

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A família é acompanhada pelo Conselho Tutelar e pela rede de apoio social. O abusador era o padrasto, contra quem já existe mandado de prisão, mas ele segue foragido.

A criança contou para a mãe que o padrasto era o pai dos gêmeos e que ela era estuprada desde os 6 anos de idade.

Vítimas de uma sociedade machista

Esse caso nos remete à triste lembrança de outro semelhante, ocorrido em agosto/2020, da menina de 10 anos que engravidou do tio, como resultado de abusos sexuais praticados desde que ela tinha 6 anos de idade, no Espírito Santo.

O aborto foi autorizado pela Justiça, mas a família precisou viajar até Pernambuco para realizar o procedimento, em um hospital de referência para esse tipo de casos.

Houve protestos na porta do hospital, de grupos religiosos que supostamente “defendiam a vida”, exigindo que o aborto não fosse realizado. Chamaram a menina de “assassina”.

Enquanto isso, o tio permanecia foragido e só foi localizado e capturado no dia 18/08 em Betim (MG).

Importante lembrarmos que, em ambos os casos, a gravidez em crianças é de altíssimo risco.

O corpo feminino é muito pequeno para comportar outro bebê em crescimento e, no caso da gravidez gemelar, os riscos aumentam.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a partir de 10 anos é considerado adolescente – e uma gravidez nessa idade pode causar anemia, diabetes gestacional e hipertensão induzida pela gravidez com mais frequência que mulheres adultas.

Além disso há risco de parto prematuro, mais comum em gravidez gemelar, baixo peso ao nascer, também mais comum em gemelar, e morte neonatal.

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O que me chamou a atenção foi justamente esse comportamento de protesto contra o aborto da menina (no caso de 2020), o tumulto, o barulho que incomodou não somente a família como todos os outros pacientes, familiares, profissionais e funcionários que trabalham lá.

Ninguém apareceu na porta da delegacia ou do presídio onde o tio está detido, para protestar contra seu ato desumano contra uma criança.

Abuso sexual intrafamiliar

O abuso sexual intrafamiliar é sempre protegido pela impunidade e pela traição à confiança que a criança sente pelo adulto.

O adulto toma a criança como mero objeto de satisfação própria, pouco se importando com os sentimentos e reações da criança.

Não entende que seu ato pode causar traumas psicológicos para o resto da vida, como dúvidas quanto à sua própria sexualidade e dificuldades de relacionamentos futuros por perda de confiança, perda de empatia, bem como consequências físicas, como lesões, feridas, DST e, em caso de meninas, possível gravidez indesejada.

Vivemos uma cultura de machismo, de protecionismo aos homens, que continua vitimizando mulheres em todo o mundo. Isso incentiva a impunidade em relação à violência sexual.

Mas me causa estranheza esse protesto contra o aborto autorizado judicialmente para uma menina de 10 anos.

Sem adentrar no mérito de que as meninas estão atingindo a maturidade sexual cada vez mais cedo (menarca precoce), será que essas pessoas estão entendendo que uma criança de 10 anos teria condições corporais de levar uma gestação de 9 meses até o fim, encarar um parto (natural ou cesariana, não importa) e cuidar dessa criança, amamentá-la?

Caso essa gestação fosse conduzida até o fim, existiria o trauma frequente dessa “menina-mãe” ao olhar para esse bebê e todos os dias se lembrar de como foi concebido: mediante violências repetidas, medo, ameaças, interesse, confusão, quebra de confiança.

Estupro: violência pautada no abuso de poder e confiança

Quem faz protesto na porta do hospital exigindo que o aborto não tivesse sido realizado não entende que se trata de uma gestação decorrente de uma violência de abuso de poder e confiança.

Não entende que se trata do corpo de uma criança, sem condições de discernir ou consentir nos acontecimentos, e que a decisão pelo aborto não é voluntária, é uma proteção à sua saúde e integridade física e psicológica, evitando-se riscos maiores no futuro.

Ainda vivemos sob a ideologia preconceituosa de que: se uma criança não contou antes do abuso, é porque “gostava” da relação; se sentia orgasmo, é porque “gostava” da relação (sem entender que é uma reação fisiológica natural decorrente da estimulação), e que sempre a “culpa” é da mulher: porque estava com roupas curtas, porque estava por perto, porque é “bonita”, etc.

O estupro não vai acabar se contivermos as nossas meninas em recintos reclusos; vai acabar quando ensinarmos os meninos a respeitarem as meninas, tratando-as como seres humanos com direitos, vontades, iniciativa, sentimentos.

Acertadas ambas as decisões judiciais de interromper ambas as gestações, e nos tranquilizamos em saber que os procedimentos se realizaram da melhor forma possível.

É imprescindível que a sociedade se manifeste a favor de que elas tenham uma vida digna, com proteção, respeito, carinho e acolhimento de toda a sociedade, e muito amparo para superar os traumas físicos e psicológicos.

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Referências Bibliográficas

GABEL, M. (org.). Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: Summus, 1997.

SANDERSON, C. Abuso sexual em crianças. Fortalecendo pais e professores para proteger crianças contra abusos sexuais e pedofilia. São Paulo: M.Books, 2005.

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Sobre o autor(a)

Denise M. Perissini

Denise M. Perissini

Psicóloga clínica e jurídica. Coordenadora da Pós Graduação em Psicologia Jurídica na UNISA e professora na UNISÃOPAULO. Autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica de Família.
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