A desregulação emocional no Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um fenômeno que afeta profundamente a vida de muitas mulheres.
Em um mundo onde já se espera que elas lidem com diversos papéis sociais, familiares e profissionais, esse traço do TDAH adiciona uma camada extra de complexidade.
A desregulação emocional faz com que essas mulheres vivam em uma montanha-russa emocional, onde podem ir da euforia à frustração em segundos, muitas vezes sem entender completamente o que as levou a reagir de forma tão intensa.
Com a combinação de um sistema neurológico mais sensível e um contexto social que as pressiona a manter a “calma” e a “compostura”, a desregulação emocional pode se tornar um desafio diário para mulheres com TDAH.
No TDAH, a desregulação emocional se refere à dificuldade de regular, modular e gerenciar emoções de maneira eficaz.
Diferentemente de um simples “nervosismo”, esse fenômeno está enraizado no funcionamento neurológico da pessoa, dificultando que ela reaja de forma moderada a diferentes situações.
Mulheres com TDAH frequentemente relatam que reagem de maneira explosiva a pequenas frustrações, como perder um objeto ou errar uma tarefa simples, o que resulta em um choro repentino ou mesmo em impulsos de quebrar objetos.
Esses episódios muitas vezes são seguidos de culpa e de uma sensação de “descontrole”, que não só afeta a autoestima, mas também causa estragos nas relações interpessoais e na vida profissional.
É importante entender que essas reações não são voluntárias. A neurociência mostra que o TDAH está associado a uma atividade alterada nas áreas do cérebro responsáveis pelo controle das emoções, como a amígdala e o córtex pré-frontal (Rohde & Biederman, 2000).
Essa combinação faz com que a resposta emocional seja intensa e, em muitos casos, desproporcional. Para mulheres que já enfrentam cobranças emocionais, sociais e pessoais, a falta de controle sobre as próprias emoções pode se tornar um peso ainda maior.
Desregulação Emocional: Quando a Frustração Escala para uma Crise
Para muitas mulheres com TDAH, pequenos aborrecimentos diários podem se transformar em grandes crises.
Uma frustração que parece “boba” para outras pessoas, como perder as chaves ou derramar algo, pode desencadear uma reação emocional em cadeia.
Esse tipo de episódio pode começar com uma irritação, seguida por uma explosão de raiva ou até mesmo por um choro que parece incontrolável.
Em momentos assim, a sensação é de que a mente está sendo “consumida” pela emoção, como se não houvesse uma forma de interromper o ciclo.
Esse processo não é uma “escolha” ou uma “falta de paciência”, como muitas pessoas acreditam.
Estudos indicam que o TDAH está associado a uma menor capacidade de filtragem emocional e de controle de impulsos, dificultando que a pessoa lide de forma “moderada” com situações adversas (Mattos, 2018).
Assim, quando uma mulher com TDAH quebra algo em um momento de frustração, ela não está apenas “descontando a raiva”, mas respondendo a uma incapacidade temporária de regular aquela emoção.
E após a crise, é comum que surjam sentimentos de culpa e vergonha, alimentando um ciclo de autojulgamento e baixa autoestima.
Engana-se quem pensa que a desregulação emocional no TDAH ocorre apenas em situações negativas.
Mulheres com TDAH também experimentam uma amplificação intensa de emoções positivas, que podem se manifestar como uma euforia “desmedida” diante de eventos que outras pessoas considerariam simples.
Uma surpresa ou notícia positiva pode gerar uma alegria tão intensa que se torna quase descontrolada, gerando reações que podem parecer “infantis” ou exageradas aos olhos dos outros.
Essa intensidade nas emoções positivas é, na verdade, uma resposta à mesma dificuldade de regulação emocional que torna a frustração uma experiência avassaladora.
Uma mulher com TDAH pode ficar “nas nuvens” ao receber um elogio ou uma notícia animadora, reagindo com entusiasmo e energia que parecem fora de contexto para quem a observa.
A euforia, nesse caso, é uma “quebra” do estado emocional normal, assim como acontece nas explosões de raiva ou tristeza.
Embora esses episódios possam ser mais bem aceitos do que as reações negativas, eles também carregam um peso, especialmente quando a pessoa percebe que seu entusiasmo foi “inadequado” ou desproporcional, o que pode gerar constrangimento ou autocensura.
O Desafio de Retornar ao Equilíbrio Emocional
Uma vez que a crise de desregulação emocional se instala, o retorno ao estado de calma pode ser um processo demorado e desgastante.
Muitas mulheres com TDAH relatam que, após um episódio de raiva ou euforia, sentem como se toda sua energia fosse drenada, deixando-as exaustas. Esse esgotamento emocional se deve à intensa atividade cerebral durante a crise, o que demanda um esforço cognitivo e físico para “desligar” a resposta emocional.
O tempo necessário para retomar o equilíbrio emocional pode variar de minutos a horas, dependendo da intensidade da crise e do contexto em que ela ocorreu. Durante esse período, a pessoa pode experimentar sentimentos de arrependimento e até mesmo um “luto” pela forma como reagiu.
Esse processo não é apenas mental, mas também físico: o corpo libera hormônios de estresse durante essas crises, como o cortisol, que permanece na corrente sanguínea por algum tempo, prolongando a sensação de “tensão” mesmo após a situação ter passado.
Para lidar com esse aspecto do TDAH, técnicas de mindfulness e respiração têm se mostrado úteis.
Elas ajudam a interromper o ciclo de estresse e a acalmar o corpo e a mente, criando um espaço entre a emoção e a reação (Gomes & Miranda, 2019).
No entanto, para muitas mulheres com TDAH, aplicar essas técnicas em momentos de crise não é tão simples, pois requer prática e um autoconhecimento que nem sempre estão disponíveis no calor do momento.
A desregulação emocional também impacta diretamente a vida social e profissional dessas mulheres.
No trabalho, por exemplo, uma reação intensa pode ser interpretada como um sinal de imaturidade ou falta de profissionalismo, resultando em julgamentos e preconceitos.
Em casa, essa intensidade emocional pode gerar atritos com familiares ou parceiros que, muitas vezes, não entendem a origem dessas reações.
Essas mulheres frequentemente relatam que suas explosões emocionais são vistas como exageros ou como “dramas” por parte dos outros.
Essa falta de compreensão e apoio pode intensificar sentimentos de inadequação e até mesmo de isolamento.
Em alguns casos, o medo de reações intensas e incompreendidas leva essas mulheres a evitarem determinadas situações ou pessoas, o que limita suas experiências e pode gerar um ciclo de autoisolamento.
No entanto, é importante lembrar que a desregulação emocional não define a personalidade ou o valor dessas mulheres.
O que muitas vezes falta é o entendimento de que o TDAH é uma condição neurológica que interfere no controle emocional, e que, com apoio adequado, essas mulheres podem aprender a gerenciar melhor suas emoções.
Esse apoio envolve tanto estratégias terapêuticas quanto o apoio social de familiares, amigos e colegas de trabalho.
Lidar com a desregulação emocional no TDAH feminino requer uma abordagem multifacetada.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das ferramentas mais recomendadas, pois ajuda a identificar gatilhos e a desenvolver respostas mais equilibradas às emoções.
Além disso, técnicas de mindfulness e meditação podem auxiliar na construção de uma maior resiliência emocional, treinando a mente para reagir de maneira mais moderada a estímulos externos.
Outro aspecto fundamental é o apoio da rede social. Explicar o TDAH e seus efeitos para familiares e amigos pode ajudar a criar um ambiente de compreensão e empatia, onde a mulher se sente mais segura para expressar suas emoções.
No ambiente profissional, algumas adaptações podem ser necessárias para evitar sobrecargas emocionais, como pausas regulares ou um espaço mais silencioso para trabalhar.
Ainda assim, o caminho para lidar com a desregulação emocional no TDAH não é simples. Requer tempo, prática e, muitas vezes, uma reeducação emocional que pode ser desafiadora.
Mas, com o apoio certo e as ferramentas adequadas, é possível aprender a gerenciar melhor as próprias emoções, reduzir a frequência e intensidade das crises e, acima de tudo, viver com mais serenidade.
Referencias
- Mattos, P. (2018).No Mundo da Lua: Perguntas e Respostas Sobre o TDAH. Editora BestSeller.
- Rohde, L. A., & Halpern, R. (2004). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: Do diagnóstico ao tratamento. Revista Brasileira de Psiquiatria, 26(1), 1-7.
- Este artigo discute aspectos fundamentais do TDAH e suas comorbidades, incluindo as dificuldades de regulação emocional.
- Gomes, C. L., & Miranda, M. C. (2019). A prática do mindfulness como uma estratégia de autorregulação emocional em adultos com TDAH. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 15(3), 44-58.
- Este estudo explora o uso de mindfulness como técnica para promover a regulação emocional em adultos com TDAH, focando em como práticas de atenção plena podem ajudar a reduzir crises emocionais.
- Seneviratne, B., & Mattos, P. (2015). TDAH e emocionalidade: Como o transtorno afeta a regulação das emoções. Revista de Psiquiatria Clínica, 42(4), 120-125.
- Este artigo aborda como o TDAH interfere na regulação emocional, com discussões sobre a intensidade das emoções e a dificuldade de retorno ao equilíbrio após as crises.
- Machado, J. A., & Almeida, R. M. (2021). Estratégias de intervenção para adultos com TDAH: O papel da autorregulação emocional. Psicologia em Estudo, 19(2), 103-115.
- Este estudo destaca intervenções para adultos com TDAH, com foco na melhoria da autorregulação emocional e no manejo das reações impulsivas em situações do cotidiano.
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