Ao tomar banho e me preparar para viver mais um domingo de pandemia, uma pergunta me veio à mente – Mas e aí? E quando a vacina do covid-19 chegar?

No primeiro instante, enquanto deixava a água escorrer pelo corpo para tirar de mim a sujeira do dia a dia, me senti aliviada de imaginar que não vou mais precisar ver as pessoas de máscara pelas ruas como se o mundo fosse um hospital a céu aberto.

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Vou poder abraçar meus amigos, e, isso, realmente faz falta.

Vai ser muito bom não ter mais que me adaptar à esse novo “normal”, onde muitas pessoas morrem diariamente com um vírus que é apenas um dos inúmeros males que a nossa sociedade criou.

Minhas reflexões foram adquirindo um tom, um tanto quanto, crítico demais para aquele banho. Comecei a pensar no lugar do dinheiro como um grande paradigma social.

Abre-se os bares, restaurantes e os trabalhadores continuam a sua missão – servir um sistema que tem entrado em ebulição.

E para manter em pé uma economia que já se curva há muito tempo, compra-se máscaras tão sofisticadas que as pessoas se sentem praticamente protagonistas de uma nova versão do clássico “De volta para o futuro” (1985) de Hollywood. Mas e aí? E quando a vacina chegar?

Me refiz essa pergunta e deixando a água escorrer pelo corpo para tirar de mim a sujeira do dia a dia, parei de enxergar o macro e converti os meus olhos para dentro de mim.

Percebi que talvez pouca coisa mude concretamente na minha vida com a vacina, pois, essa transformação já vem acontecendo aos poucos.

Reconheci nessa imunidade que buscamos no futuro, várias conquistas diárias.

Mudança de pequenos hábitos, como acordar cedo, respirar o ar puro da janela e se se sentir agradecida por estar viva tem sido o meu remédio de cada dia.

Fazer a minha própria comida, buscar ter mais consciência do que consumo e para onde vai o meu dinheiro, também faz parte desse exercício que me faz sentir mais saudável.

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Valorizar as pessoas pelo que elas são e não pelo que eu espero delas também tem sido um grande aprendizado desses tempos.

Ficar em silêncio, ouvir a natureza e celebrar os pequenos acontecimentos do cotidiano passaram a ser uma meditação de rotina.

Quando a vacina chegar, o “fique em casa” continuará ressoando dentro de mim, como um radar que me direciona para o essencial.

O que, de fato, é importante em cada momento da minha vida? Quais amizades que valem a pena serem nutridas? Quais os sonhos que merecem ser vividos?

De todas as informações disponíveis, quais eu desejo acessar? São perguntas que continuarão aqui, ainda que chegue a vacina.

O tempo relógio tem adquirido um outro sentido nesse momento e lidar com esse constante domingo tem sido mais leve.

Essa ideia de futuro construída por uma percepção de tempo linear e progressista tem dado lugar à oportunidade de viver novos modos de perceber o ritmo e os ciclos da vida.

Estar menos acelerada e dentro de casa, tem me ensinado cada vez mais a valorizar a riqueza do instante.

No livro O amanhã não está à venda (2020), do escritor indígena Ailton Krenak, ele diz que essa situação é como um anzol que nos puxa para a consciência, um tranco para olharmos para o que realmente importa.

E se o futuro brasileiro encontra-se cada vez mais ameaçado, como ele mesmo diz, a defesa do nosso organismo precisa acontecer de dentro para fora, no tempo chamado agora.

Nesse sentido, fazer escolhas conscientes e que agreguem um cuidado coletivo pode não ser a vacina do futuro, mas é a cura do presente.

Logo após o banho, enxuguei o meu corpo de pele escura com uma toalha branca, limpa e cheirosa. Admirei cada detalhe do banheiro da minha nova casa e me lembrei de tudo que vivi para chegar até aqui.

Numa tentativa de esquecer o dolorido passado que acompanha essas memórias, minha mente novamente se projetou para o futuro – Como será o ano novo?

Comecei a cantarolar baixinho buscando novamente essa consciência do presente que me faz agradecer a caminhada.

Coloquei a minha melhor roupa e vestida de preto comecei a pensar como gostaria de estar comemorando a chegada de 2021.

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Embora o mundo esteja em guerra e sem futuro, é gostoso ter o que esperar. Mas e aí? E quando a vacina chegar? Quer saber, não sei!

Mas sigo nesse exercício constante de me manter no presente, esperando sem pressa tudo mudar.

Se a escuridão faz parte do despertar, tenho reconhecido na sombra desses tempos um caminho que faz o meu sol brilhar.

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