Quando eu me identifico como psicólogo em algum grupo, é comum que algumas pessoas façam perguntas ou afirmações sobre algo, e tudo bem, visto que eu também faço isto com outras pessoas.
Porém, algo que sempre me deixa desconfortável é quando alguém afirma “Ah, mas pra mudar, a pessoa tem que querer!”.
Essa frase pode ter inclusive um efeito inverso, de desmotivação, uma vez que culpabiliza o indivíduo e coloca sobre ele todo o peso da mudança.
Eu já prefiro falar que, para a pessoa querer, algo tem que mudar, uma vez que o “querer” é uma variável dependente, um comportamento.
Longe de mim negar a responsabilidade de cada um na sua própria mudança, mas selar essa responsabilidade toda em um único indivíduo é ser solipsista.
É não compreender o papel da sociedade e do contexto na formação subjetiva de cada um de nós.
Cada um de nós é um ser único, com um histórico de vida e formas de se relacionar consigo e com o mundo de forma única. A cada momento, a cada nova experiência, nos renovamos, preservando dessa forma esse caráter singular.
É provável que exista uma pessoa no mundo que seja parecida com você, que goste das mesmas bandas, de comidas iguais e até tenha os mesmos valores.
Entretanto, ainda assim sempre poderemos encontrar algo que nos torne únicos, como uma forma de olhar, de falar, de pensar ou de sentir.
Mas todas essas características que nos formam, que nos tornam singulares, não surgem de um vácuo, elas precisam ser aprendidas de algum lugar.
O histórico de vida de cada um não se fez somente com o próprio indivíduo, pois temos incontáveis interações com o mundo que nos cerca.
Nossos pais e familiares, amigos, companheiros, professores, vizinhos, fazem parte dessa história, e a cada nova interação esta se configurava de forma diferente, pois estas outras pessoas também estão sujeitas a interações únicas a cada momento.
Assim como diz Yusuf Islam, “Você sabe que algumas pessoas dizem que os valores são subjetivos, mas eles estão apenas falando palavras que alguém disse”.
De certo modo, isso só demonstra o caráter coletivo na formação da individualidade.
Existe uma frase muito famosa na Psicologia que diz que “Não importa oque fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”.
De fato, não podemos alterar o passado, mas temos a possibilidade de aprender com ele e de nos comportarmos de modo diferente no presente (por mais difícil que seja).
Entretanto, aquilo que fizeram conosco importa sim, pois faz parte da nossa história e da nossa construção enquanto humano.
Se isso realmente não importasse, a própria frase perderia o sentido, uma vez que escutar ou ler ela causa algo em nós.
Na verdade, a afirmação lá no primeiro parágrafo muitas vezes tem uma função bem clara, a de se eximir de qualquer responsabilidade em relação à mudança do outro.
Indo um pouco mais a fundo, ainda tem a função de nos esquivarmos de todo e qualquer sentimento quando algo de errado acontece.
Porém, isso não significa que devamos fazer das tripas coração a todo momento, também temos nossos limites.
Sempre que necessário, encaminhe para algum profissional capacitado.
Tudo isso para chegar na conclusão de que o querer é um comportamento e, como tal, ele ocorre em função de algo, seja esse algo aversivo ou agradável.
Na maior parte das vezes, as pessoas vão a um psicólogo pois querem mudar, só não sabem como.
Um número maior ainda não procura ajuda profissional, mas isso é assunto para outro post. Querer é importante, mas ele só não basta, é necessário ir além do querer, mirar no fazer.
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