“A vinculação se desenvolve no bebê como resultado de sua interação com o seu meio ambiente de adaptabilidade evolutiva, em especial, de sua interação com a principal figura nesse meio, ou seja, a mãe”.
Bowlby (2002)
Quando nos tornamos mães, não conseguimos nos enxergar sem os nossos filhos, principalmente quando eles são pequenos.
A reflexão que proponho hoje começou em um continente distante do nosso na África.
Certo dia, um povo foi levado de forma abrupta, violenta do seu País, por pessoas totalmente estranhas, logo não falavam a sua língua.
De repente começou uma gritaria um corre-corre, mães e filhos sendo levados para navios colocados em compartimentos escuros, apertados, sem as mínimas condições.
Tudo aconteceu inesperadamente, não deu tempo para levar absolutamente nada. Só carregaram consigo as roupas do corpo e lembranças.
As crianças assustadas choravam, agarradas, juntos aos corpos de suas mães. Essas mães por sua vez, tentavam conter as lágrimas que escorriam pelos seus rostos, a única forma encontrada eram o afeto.
O abraço transmite amor, segurança e conforto foram longos dias de viagem mar adentro até chegar à terra distante que se chamava Brasil.
As pessoas que estavam mais próximos da porta de saída do navio, eram retiradas primeiros. Imagino que se ouviam-se grito e choros.
Mas o inevitável aconteceu, mães e filhos foram separados.
Em um ato de amor, a mãe temendo não reencontrar o seu filho novamente, rasgou um pedaço da sua vestimenta, fez várias amarrações dando origem a um boneco entregou a criança.
Ali não era somente um boneco, mas era símbolo de amor, resistência e poder para perpetuar a sua existência mesmo diante da ausência.
Ficaram interessados?
Convidamos mergulharem conosco nesta história linda de amor, não sabemos ao certo se ela é real diante de algumas indagações relacionadas ao contexto e registro da época.
O importante é o significado legítimo, que nos permite ter um encontro precioso com a nossa ancestralidade e enaltecer a cultura das mães africanas, onde o afeto prevalece a despeito do tempo e circunstância.
Nessa perspectiva, a criança procura conservar a proximidade com seu cuidador como uma forma de satisfação e de segurança.
“Ao longo do processo de amadurecimento, a criança desenvolve a necessidade de estabelecer um vínculo com a mãe ou um cuidador substituto. Tanto a estrutura psíquica como o sistema biológico da criança estão em desenvolvimento. Devido à ausência da capacidade de provimento das próprias necessidades básicas, é necessário que surja o apoio responsivo de alguém para contribuir com o desenvolvimento do infante”.
Bowlby (2002, p. 222)
Os cuidados que desempenhamos junto aos filhos são a base emocional para seu desenvolvimento físico, cognitivo e emocional.
O vínculo afetivo como uma forma de se relacionar com o outro na perspectiva de manter-se ligado emocional ou comportamentalmente, apresenta-se na relação, cuidador e criança como um meio de subsistência e manutenção de um ambiente adequado para o desenvolvimento maturacional sadio.
A proximidade de ambos funciona como uma busca pela segurança e apoio, quer seja nos momentos de adversidade, quer seja para proporcionar uma capacidade funcional da personalidade da criança.
Sabemos que desde os primórdios nunca foram fáceis para a população negra manter sua liberdade, identidade, cultura e ancestralidade.
Esta história nos remete a um período sombrio, a escravidão em específico da população negra.
“ No contexto em que as experiências foram positivas, o enfrentamento a situações adversas irá ocorrer de forma resiliente e madura e, em se tratando de um ambiente em que se constituiu numa situação de desamparo e insegurança, a relação com os demais será enfrentada de forma patológica e ambígua. ”
Abreu (2010)
O relato que descrevi acima mostra um ato de amor, resistência e resiliência mesmo diante do “caos”.
Cada nação tem suas particularidades no que tange a criação dos filhos, mas algo que transpõem qualquer barreira cultural é o amor e o senso de proteção.
É importante enaltecermos a presença materna, ou mãe substituta, torna-se imprescindível nos estágios iniciais de desenvolvimento da criança.
Segundo Winnicott é o papel (mãe) ou substituto suprir todas as necessidades, proporcionando um ambiente facilitador de nutrição, comunicação e de integração individual.
Nessa fase, há uma dependência absoluta, que é marcada por um período de experiências muito importantes para a construção de um vínculo afetivo e para a constituição da personalidade da criança influenciando na integração das suas vivências e na relação com o meio em que se insere.
A boneca Abayomi palavra que por definição tem origem iorubá, e costuma a ser uma boneca negra, significando aquele que traz, felicidade ou alegria, também significa encontro precioso: abay=encontro e omi=precioso.
Durante as longas viagens seus filhos ficavam muito inquietos e no intuito de acalmá-los, as mães rasgavam retalhos de suas roupas e confeccionavam bonecas, estas feitas apenas com nós e tranças e sem traços fisionômicos a fim de representar todas as etnias africanas.
A história das Bonecas Abayomi aqui no Brasil começou com Lena Martins, artista de São Luís do Maranhão, educadora popular e militante do Movimento de Mulheres Negras, no Rio de Janeiro que procurava na arte popular um instrumento de conscientização e socialização.
Lena tinha uma amiga que estava grávida e por ocasião não sabia ainda o sexo e por isso tinha dois nomes, se fosse menina, se chamaria Abayomi – Lena, achou o nome lindo e resolveu nomear a sua criação de bonecas.
Essa boneca tem significado de apoio emocional muito importante diante do contexto vivenciado pela população negra, como objeto de conforto que é bem comum na primeira infância.
“Nos primeiros meses de vida, graças à atenção e aos cuidados maternos que recebe, o bebê imagina que ele e sua mãe são um ser único. Mas, com o passar dos meses, ele vai se dando conta que ele e sua mãe são pessoas diferentes”.
Donald Winnicott (1953)
Esta descoberta, causa estranhamento, incômodo a criança acaba buscando um objeto que transmita uma sensação de aconchego e segurança para essa fase de transição o apoio de que precisa, especialmente no momento de dormir.
A boneca a Abayomi neste contexto tem o papel de acolher essa criança diante da eminente situação de perda.
Uma pesquisa de 2008 das universidades de Yale (EUA) e Bristol (Inglaterra) estudou crianças de 3 a 6 anos.
Concluiu que, além da sensação de segurança, o apego ao objeto de transição se deve também a propriedades únicas, perceptíveis apenas para a criança, como se fosse uma “essência invisível” ou uma “aura” que rodeia o item e que o diferencia de outro qualquer.
As mulheres-mães africanas intuitivamente utilizaram os recursos possíveis naquele momento para dar essa segurança e conforto que é saudável para diminuir a ansiedade dos seus filhos diante do medo da separação.
“Quando você dá uma boneca ABAYOMI para alguém, esse gesto significa que você está oferecendo o que você tem de melhor para essa pessoa. E quando você ensina o outro a fazer a boneca pela história, surge a relação sócio afetiva que atravessa gerações e ocorre o resgate da cultura africana”.
Através desse ato de amor essas mulher-mães africanas possibilitaram a perpetuação da sua existência mesmo diante da sua ausência.
Referências Bibliográficas:
https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistatrespontos/article/view/12375
http://www.opet.com.br/faculdade/revista-praxis/pdf/n3/em-abayomi-n%C3%A3o-e-brinquedo.pdf
https://caririrevista.com.br/bonecas-abayomi-resistencia-negra-e-empoderamento-feminino/
https://ibfeduca.com.br/campinas/blog/historia-de-esperanca-abayomi
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-20612015000200004
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